Ricardo Estevão é escritor, jornalista, professor de redação e membro da Academia Pindamonhangabense de Letras.
O espetáculo do mundo exibe-se diante de nós, gratuitamente, todos os dias – espetáculo do qual também fazemos parte, não nos esqueçamos. Se temos o intelecto para decodificar tudo o que nos é apresentado e a sensibilidade para descobertas mais profundas acerca do que notamos, o que nos impede de escrever sobre isso? Em outras palavras, de onde vem a dificuldade para registrar em palavras nossa visão de mundo(s)? Por que escrever é sempre desafiador?
Será culpa da famigerada pressa, filha da notória falta de tempo dos dias atuais? Ou será por causa da decorrente falta de prática? Se não há tempo para escrever, falta treino, falta exercitar-se na escrita… Ou, quem sabe, nos falte domínio linguístico: capitulamos ante a complexidade de nossa própria língua – que é fascinante, mas repleta de meandros e suscetibilidades, os quais se levantam como ameaças à clareza e à coerência de nossos enunciados.
Sim, muitas vezes, é realmente complicado escrever. Isso posto, imagine quão dificultosa pode ser a imposição da escrita no instante de prova, ou seja, na hora de redigir um texto para sua aprovação num exame rigoroso como o Enem, por exemplo – se no dia a dia, na escola ou mesmo em casa, o ato de escrever já exige tanto de nós!
Clara está a dimensão do desafio. Pensemos, pois, em soluções para superá-lo. Antes, porém, vejamos o que está acontecendo, estruturalmente, neste texto: começamos com uma asserção de partida (a tese sobre a dificuldade de escrever), estamos agora na asserção de passagem (o desenvolvimento da tese, a travessia argumentativa) e atingiremos em breve a asserção de chegada (a necessária conclusão).
Os conceitos citados acima são de estudos de um linguista francês chamado Patrick Charaudeau e estão aqui como parte da solução: conhecer a estrutura do texto a ser produzido – bem como suas características discursivas – é um passo fundamental para, literalmente, começarmos a andar. Todo texto parte de um ponto, percorre um itinerário e chega a seu destino. Não é isso o que ocorre com a dissertação?
Antes disso, algo dentro de nós deve impulsionar a escrita. Não, não se trata de inspiração, mas de uma força motriz capaz de transformar pensamento em mensagem escrita – escrever nada mais é do que materializar em palavras o que se pensou. Para fazer surgir ou impulsionar o querer, temos dois fatores principais que podem nos auxiliar: o desejo ou a necessidade.
Com o desejo, a empreitada costuma ser mais fácil. Se já temos a inclinação para um determinado fim, buscamos, naturalmente, meios para alcançá-lo. A despeito de dificuldades que venham a surgir pelo caminho, vamos em frente, mesmo que precisemos de algum apoio motivador (uma música, leituras, pesquisas, exemplos de sucesso que nos inspirem, sonhos, empatia etc.).
Já a necessidade é um rio de correntezas bravias que escorre entre nós, do lado de cá, e nosso objetivo, do lado de lá; tal como o desejo, ela se coloca no meio da travessia. Costuma ser uma força imperiosa, então, a tendência é que nos curvemos às suas exigências. Para isso, não podemos poupar esforços! A necessidade é como aquela professora severa que alguém um dia já teve: ríspida, consegue nos “convencer” a fazer o que precisa ser feito. No caso da escrita, isso inclui estudar gramática, ler bons textos, buscar sem preguiça o domínio da língua.
Quanto à falta de tempo, a dica é… comece a fazer agora! Veja: para concluirmos este texto, para chegarmos até aqui, nem tínhamos tanto tempo, mas começamos a desbravá-lo, fizemos a travessia e alcançamos o fim – desafiador, mas perfeitamente possível!