— Estou saindo. Vou trabalhar. Leve a Fifi para passear e, por favor, não se esqueça de deixar o exame do papai no laboratório. Queria entender como consegue dormir debaixo desse edredom nesse verão incendiário. Se tivéssemos ar-condicionado ou se você não tivesse quebrado o único ventilador que temos, talvez eu até compreendesse.
Ele nem se moveu. Ela se irritou.
— Levanta, homem! Daqui a pouco a diarista estará aqui.
Ele pulou da cama para se despedir com um beijo.
— De jeito nenhum! Não vai borrar o meu batom, ainda mais com esse bafo de onça!
Ela deixou o apartamento e ele foi ao quarto do hóspede vitalício, o sogro. Entrou na ponta dos pés para cobrir o velho que roncava e babava na escuridão. Viu o recipiente sobre a mesa de cabeceira e levou as mãos à cabeça.
— Meu Deus! Esqueci de pôr o potinho de cocô na geladeira.
Apressadamente, enfiou o frasco numa sacolinha de supermercado, trocou de roupa, colocou coleira na cachorrinha e, assim que a diarista chegou, correu até o elevador. Quando a porta se abriu, viu a síndica espirrando sucessivas vezes e assoando o nariz.
— Bom dia. Está gripada?
— E com nariz entupido. Não sinto cheiro de nada.
A porta se fechou e o elevador começou a descer, mas travou no quinto andar. Ele apertou o botão de alarme. Não funcionou. Ela tentou o interfone. Não funcionou. Ele começou a suar. Era claustrofóbico.
— Fique tranquilo. Vamos pedir socorro. Cadê o seu celular?
— Esqueci no apartamento. Cadê o seu?
— Aqui. Mas… sem bateria.
Ele entrou em pânico, começou a esmurrar a porta do elevador e só parou porque doeram-lhe as mãos. Desesperançado, se sentou no assoalho abraçado à cachorrinha, e chorou. Nesse momento, sentiu forte cheiro de cocô. Tratou de esconder o potinho no bolso da calça.
O elevador voltou a funcionar minutos depois Assim que a porta se abriu, ele saiu correndo e jogou a sacolinha com o frasco na primeira lixeira pública que encontrou. Em seguida, foi ao parque passear com Fifi e só retornou na hora do almoço.
A diarista estava de saída. A esposa colocava pratos na mesa. Ele precisava se explicar.
— Amor… O exame… Eu…
— O exame? Desculpe. Como sei que você sempre se esquece de tudo, eu levei o exame ao laboratório. Não deu tempo de avisar.
No quarto, o sogro choramingou:
— Meu amendoim sumiu.
— Por acaso você viu o pote com pasta de amendoim orgânico que estava na mesinha de cabeceira do papai?
— Pasta de amendoim? Não, não vi não.
A diarista, abrindo a porta para ir embora, observou:
— O senhor se sentou em alguma coisa podre?