Nós vivemos, nos tempos hodiernos, um período da História Humana em que existe um excesso de informação, excesso de trabalho, excesso de preocupações e anseios, excesso de discursos vazios, em que as pessoas não param. Parar não somente para escutar seus problemas existenciais, suas angústias, mas escutar o que os outros pensam.
No entanto, quando nos damos ao trabalho de escutarmos alguém, se faz necessário, antes de tudo, saber o que essa pessoa tem a dizer, senão o ato de escutar vai se configurar num imenso ato enganoso, visto que passaremos a escutar só o que queremos e não o que verdadeiramente nos é dito. E algo que raramente fazemos é CALAR-NOS com a finalidade de dar atenção real ao que o outro quer nos dizer. Somos especialistas em explicar, supor, e pensar pelos outros. Falamos demais. Colocamos na caixa do lixo do esquecimento o ato de ouvir o outro, ou, o que é pior: ensinamos sobretudo aos nossos alunos e filhos a falar, mas não a escutar, mesmo porque não sabemos proceder esse ato tão importante.
E ele representa algo muito mais profundo e difícil que simplesmente ouvir o outro: é, de forma ativa, cultivar a atitude de querer ouvir o outro, entrar no seu mundo, compreender não só o motivo que ele expressa por meio de palavras, mas os motivos que o levam a dizer o que diz. Portanto, escutar é, acima de tudo, analisar um raciocínio e refletir nas implicações e alternativas que esse pensamento do outro nos coloca. É estar atento, de mente aberta, sem as rígidas e impiedosas barreiras dos nossos preconceitos, dogmas e senões.
Significa escutar o outro ao procurar dialogar com ele e, para cumprir essa missão, temos que nos CALAR para ter a possibilidade de entender o que ele tem a expressar.
Plutarco, historiador grego (42-125 D.C.), filósofo platônico, conhecido por suas obras Vidas Paralelas e Moralia, nos diz que o “calar-se” alia-se ao silêncio, que representa um exercício terapêutico e gera um hábito que possibilita ao homem aprender a dispor do devido tempo de reflexão antes de falar, tendo a oportuna chance de observar o outro de perto. Os efeitos desse hábito na cotidianeidade são mais graves, evidentemente, nas consequências do que dizemos do que naquilo que deixamos de dizer.
É altamente válido não o silêncio de quem, calado, consente, mas o de quem, calado, adquire o hábito de perceber o justo e melhor momento de dar livre curso às palavras. Dessa maneira, observamos que o silêncio tem poder relevante na caracterização de um sábio tanto quanto o uso do discurso vibrante, vivaz e contínuo.
O filósofo alemão Nietzsche (1844-1890), que afirmava que o homem chega à sua maturidade quando encara a sua vida com a mesma seriedade com que uma criança encara uma brincadeira – as crianças, seres divinos que nos ensinam muito! – declarou enfaticamente: “Minha Filosofia me aconselha a calar e não fazer perguntas, sobretudo porque, como diz o provérbio, só se permanece Filósofo mantendo o silêncio.” Nesse contexto, convém relembrar o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951), grande filósofo da linguagem, que mostrou algo importante na sua obra Tractatus Lógico-Philosophicus: “Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar.”
Ele não aconselha simplesmente o silêncio, mas sugere que devemos calar sobre qualquer coisa que não possamos compreender ou expressar corretamente. No caso de ouvir o outro, esse “calar-se” é fundamental. Dessa maneira, para ele, os limites do mundo são os limites da linguagem.
Enfim, o CALAR-SE é irmão-gêmeo do silêncio. Quantas vezes não somos silenciados pelo impacto das nossas emoções ao declamar uma poesia ou pela palavra sincera e edificante de um amigo? Existem palavras que carecem do silêncio para serem ouvidas!
Torna-se imperioso colocar que o silenciar-se nasce espontaneamente, seja no silêncio da prece dos monges, do protesto, da resistência ante a violência que presenciamos nos tempos atuais, ou na atenção para com a palavra sempre marcante do próximo. O silêncio é o que existe entre as palavras, entre as notas musicais e nas nossas reflexões quando desejamos nos aproximar de Deus Onipotente, Onisciente e, sobretudo, misericordioso.