Será que algum dia nossas papilas percorrerão a tela do computador ou do telefone móvel, ou de algum aparelho que ainda não foi inventado, e sentiremos o sabor dos alimentos? Será que as imagens exalarão odores? Será que as tatearemos e sentiremos o relevo? Será que os olhos se saciarão nessa irrealidade e os ouvidos nas imitações, por exemplo, de chuva? Estarão nossos sentidos fadados à artificialidade? Mesmo que isso ocorra, a tecnologia jamais produzirá verdades verdadeiras, tampouco destronará a essência.
Por exemplo: não faz muito tempo disseram que o livro impresso seria extinto, que seria substituído pelas leituras digitais. Não foi e jamais será; pois, se por um lado há quem prefira a tecnologia, por outro há quem – independente da faixa etária – jamais descartará o prazer de folhear e sentir cheiro de livros. Os ambientalistas – com toda razão – são contrários à derrubada de árvores para qualquer fim. No caso de árvores para a produção de papel, a solução está no reflorestamento antecipado, contínuo e multiplicado.
Vivemos na era da modernidade desenfreada sem considerar as fragilidades da tecnologia. Em 1859, por exemplo, tempestades solares provocaram a incomunicabilidade mundial por queimarem redes telegráficas. O fenômeno ficou conhecido como Carrington Event. Atualmente, há previsões de que, em breve, a internet será colapsada por tempestades solares similares àquelas do século XIX. Dessa forma, pode-se dizer que a tecnologia é um todo, mas não é tudo.
Imaginemos… Na Rua do Tanque morava uma família de leitores: o pai devoto de jornal impresso, a mãe, a filha e o filho adeptos da internet. Dias depois do vendaval que arrancou a rede de transmissão de energia elétrica da cidade, o sol castigou severamente a Terra, fazendo com que a rede mundial de computadores hibernasse. Desde então, o pai passou a realizar leituras à mesa da sala de jantar iluminada por velas.
Na primeira noite, mãe, filha e filho, todos com cara de “não mexe comigo senão eu mordo”, não se sentaram à mesa. Porém, dias depois, foram contagiados pelo semblante paterno.
— Pai, eu quero ler um livro – Implorou a filha.
— Vá à biblioteca e escolha. Sabe onde fica a biblioteca, não sabe?
— A municipal?
— Não. A nossa biblioteca.
— Nós temos uma biblioteca? – Os filhos indagaram surpresos.
Decepcionado, o pai disse:
— Fica ao lado do quarto de vocês.
— Venham comigo – Ordenou a mãe.
A partir de então, a biblioteca passou a ser habitada e, todas as noites, o pai, após concluir a leitura da Tribuna do Norte, advertia:
— Não se esqueçam de apagar a vela.
Estes atribuem àqueles um atraso comportamental. De que valerá a tecnologia? Será que os escravos tecnológicos se tornarão analfabetos funcionais? Apague a vela.