
da vacina contra a varíola
No final de agosto de 1908, conforme artigo do jornal Tribuna do Norte, a epidemia estava a caminho de seu final em Pindamonhangaba. Na edição de 27/9/1908, em matéria “O estado sanitário”, apresentando 52 pessoas em tratamento, sendo quase todos convalescentes, comentava o declínio da epidemia que “…por quase dois meses – trazia aterrorizada a população da nossa cidade”, destacava o redator.
É curioso e aqui destacamos, que em 1908, portanto há 116 anos, fazendo comparação com estimativa do IBGE, Pindamonhangaba contava com pelo menos 140.000 habitantes a menos. Ainda assim o jornal Tribuna referia-se com certa perplexidade que aquela epidemia já durava quase dois meses. Impossível não nos venha à mente os números e a duração da recente pandemia da covid que nos assolou.
Retornando a Pindamonhangaba de 1908, por conta da franca erradicação, o movimento na cidade já era bem outro. A animação era contagiante nas ruas, nas praças e na estação ferroviária. “É que a população, confiada nas medidas postas em prática e principalmente sentindo perfeitamente garantida pela vacinação, perdeu o medo dos primeiros tempos e já voltou aos hábitos antigos e antigos lazeres”, também animada, comentava a Tribuna.
Hospital de Isolamento, casa bendita
Uma nota de agradecimento dirigida ao Hospital de Isolamento, publicada na edição de 4/10/1908, expressa a gratidão daqueles que passavam pela referida casa de saúde: “As poucas palavras que aqui ficam ditas não recompensam os benefícios que lá recebemos, eu, minha mulher e uma filha de 5 anos de idade. Faleceu esta última, mas não por falta de recursos médicos ou tratamento; hipoteco, portanto, meus sinceros agradecimentos aos distintos facultativos, especialmente aos doutores Francisco Romeiro e Bello do Amorim, como médicos assistentes, já pelos seus honrosos corações como pelo interesse vivo que tomaram para a salvação de minha mulher. Dos senhores José Coelho do Amorim, encarregado da Administração e enfermeiros José Gabriel Neves, Augusto Penna, João Antonio da Silva, Ângelo Câmara e sua senhora igualmente guardarei reconhecimento de gratidão.
Aproveito o ensejo de desmentir tantos boatos alarmantes propalados em começo, pois do dia 15 a 23 de agosto foram removidos o número de 123 doentes; havendo no hospital poucas camas e acessórios, nem por isso deixaram de ter conforto os doentes para lá removidos, graças as providências tomadas pelo digno prefeito, aumentando diariamente tudo, afim de nada faltar. É o que de verdade posso afirmar por ser um dos primeiros que lá tive que ir.
Pindamonhangaba, 26 de setembro de 1908
Arlindo Cesar.”
Contrários à vacina
Ao leitor, acreditamos interessante destacar o fato do jornal Tribuna do Norte, há mais de um século, já defender a vacinação como único meio de extinguir uma epidemia de doença. Posição reforçada em sua edição 18/10/1908, quando publica o artigo “A prevenção contra a vacina”.
Outro dos interessantes escritos sobre o assunto, referido artigo nos remete àquele início do século XX, revelando como era o comportamento das pessoas diante das epidemias que volta e meia se estabeleciam nas cidades, dizimando populações. Traz explicações referentes à origem da negação de certas pessoas (até hoje verificada) diante de uma campanha de vacinação e menciona ainda o descobridor da vacina: “Não é difícil dar a explicação dessa repugnância dos nossos homens do campo, a receberem a vacina para preservarem-se da varíola. Como se sabe, essa gente considera uma tal moléstia o mais horroroso castigo com que Deus pode punir uma criatura neste mundo. Basta lembrar que o cadáver de um bexiguento é levado à sepultura sem que tenha ouvido as rezas e orações que deviam acompanhar a alma até as portas do céu. É uma moléstia, que arranca o doente do seio da família, martiriza-o e mata sem ao menos lhe conceder os consolos da religião.
Ora, este modo de considerar a situação do varioloso, e as circunstância desoladoras que antigamente cercavam o doente, desde o dia que enfermava até a terminação do sacrifício; tratamento brutal e estúpido que em outros tempos era dado a vítima; isso tudo fazia da varíola uma moléstia digna realmente de inspirar o maior pavor. O infeliz, se não dispunha de recursos, era imediatamente levado a qualquer casebre ao meio do mato, e entregue aos cuidados de um indivíduo que, por já ter tido bexigas, devia conhecer o tratamento, e se obrigava a lhe servir de médico e enfermeiro. O que morria, e eram quase todos, ali mesmo eram sepultados, como um amaldiçoado. Quanto às pessoas de recursos e que se negavam a deixar a povoação. Eram forçadas a ficar completamente isoladas, e a manter na porta que dava para a rua um grande fogareiro onde, dia e noite, queimavam substâncias aromatizadas, para impedir a saída dos miasmas (ainda não era conhecido o micróbio). Se vinham a falecer, eram sepultados alta noite, e com cautela!
Ao escurecer um irmão das almas percorria as ruas tangendo uma campainha. Queria dizer que todos se prevenissem que nessa noite um bexiguento tinha de ser sepultado, e o corpo passaria pela povoação. Com efeito, há meia-noite, lá seguia o cadáver para o cemitério, conduzido por meia dúzia de pessoas recrutadas entre os que já tinham tido a moléstia. Na frente seguia um dos companheiros badalando a campainha e de tempo em tempo gritando: Lá vai bexiguento! – para prevenir quem quer que por ali pudesse ser descuidos. Eram as medidas profiláticas conhecidas nesse tempo, e cujo rigor deve ser desculpado, atento o fim que visavam. Não é verdade?
Ora, uma moléstia que leva o doente a essa situação desgraçada era mesmo para encher de horror, para apavorar principalmente a classe menos favorecida. Mas já então se conhecia a vacina e seu efeito imunizante; e apregoava-se, conforme hoje estamos fazendo, o uso dela, como eficaz preservativo da varíola. Tentou-se esse recurso; mas o resultado foi inteiramente contrário ao que se esperava. Era que em muitos lugares, em quase toda a parte, em vez de vacina aplica-se às pessoas que desejavam imunizar-se, o próprio pus variólico. Assim em vez da preservação, o indivíduo encontrava a moléstia que lhe trazia a vacina; em vez da epidemia mostrar se menos assustadora, ela agora caminhava mais rapidamente, aumentando o número de suas vítimas.
De um juiz de direito que depois ocupou elevado cargo na magistratura do país, ouvimos que, na então província do Espirito Santo assistiu, em a fazenda de sua comadre, serem todos escravos vacinados com o próprio pus tirado das pústulas variólicas. E ainda nos contou que para essa vacinação usava-se do seguinte meio. Abria-se um buraco na parede do compartimento em que se achava o varioloso, e por aí o pretendente à vacinação metia o braço para a inoculação, retirando só depois de terminada esta. É fácil de se imaginar os estragos que a vacina havia de produzir na população que tivesse a desgraça de recebê-la. Quanta desgraça! Quantas vidas ceifadas pela estupidez e audácia desses vacinadores!
E tudo isso atribuído a feliz descoberta do imortal Genner! E tudo isso causado pela vacina, que se convertera em propagadora da terrível moléstia! Compreende-se que esses fatos deviam crer a maior prevenção contra o poderoso meio, o único de que dispõe a ciência para impedir o aparecimento da varíola. A notícia passou de pais a filhos, e aos narradores dos lúgubres efeitos dessa vacina, não havia de faltar ocasião de dirigirem lamentações e queixas amargas, por terem acreditado nas promessas daqueles que lhes transmitiam moléstia, garantindo que iam dela ficar preservados. E assim a vacina ficou sendo considerada entre muita gente, e principalmente nessa classe menos civilizada, tão funesta como a própria varíola, como as bexigas, cujo nome os homens do campo não pronunciam sem sentir pavor.
Ora, essa prevenção há de custar a desaparecer dentre gente tão fácil de se impressionar.”
No texto, o então articulista da Tribuna grafa com “G” o sobrenome do médico inglês descobridor da vacina contra a varíola em 1796, quando o correto seria com “J”, Jenner, Edward Jenner.