Primeiro, conheci o referendado escritor Carlos Rodrigues Brandão (1940 – 2023), autor das obras “O educador: vida e morte”, “Pesquisa Participante”, dentre outros títulos consagrados nas referências bibliográficas dos cursos de formação de professores no Brasil! Décadas depois, tive a oportunidade de não só conhecê-lo pessoalmente como descobrir que entre nós havia um elo de profunda irmandade!
O ano era o de 2003, e, como diretora de uma instituição universitária, planejamos a Semana da Pedagogia, tendo como palestrante da conferência de abertura o próprio Carlos Rodrigues Brandão! Combinamos a hora de sua chegada na rodoviária, e para lá me dirigi para recepcioná-lo. Não imaginava que o célebre Brandão havia sido submetido a uma cirurgia cardíaca há menos de três meses e, devagarinho, estava se convalescendo. Mesmo assim, o educador popular fez uma longa viagem de ônibus para honrar o compromisso anteriormente assumido e “encantar” nossos alunos.
Isso mesmo: Brandão veio unicamente “encantar” nossos alunos! Com seu jeito franciscano de ser – totalmente despojado de pompas e confetes -, iniciou a conversa falando da importância magistral do professor para a sociedade e para o planeta! Ele nos dizia:
“Nesse imenso planeta em que nós vivemos, a cada segundo, em algum lugar do mundo, no oriente, no ocidente, no norte, no sul, uma professora, às vezes, de uma escolinha rural, está apagando um quadro negro, se despedindo de uma turma, apagando as luzes e fechando a porta de uma escola. Nesse exato momento, alguém está acendendo e começando uma aula. Então nós, somos isto e, através de nós, da nossa experiência que se ramifica em milhares, em milhões de pessoas, que o saber do mundo, repito, a poesia, a pedagogia, as coisas mais simples, a tabuada do sete, ou, as mais complexas, a Teoria da Relatividade, um poeminha de criança, um grande poema de Drummond de Andrade, estão sendo reacendidos. Ou o lócus, o saber, o que nos torna humanos está sendo retomado ao mundo da vida!”
Naquela noite, a sua amorosidade pela Educação reacendeu em cada um de nós, professores e alunos, a chama que ilumina o nosso ofício e só quem é professor sabe explicitar! E a partilha de sua vida, a sua generosidade, o seu amor por cada ser humano iam muito além de seu currículo acadêmico que, em breves linhas, mencionei na apresentação que dele fiz: escritor e poeta, militante ativista junto a movimentos sociais, psicólogo e antropólogo da cultura popular; professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas, onde se tornou livre-docente em antropologia simbólica; professor colaborador de diversas universidades, tendo recebido vários títulos de doutor honoris causa e de professor emérito.
Na minha estante, com profundo bem-querer, residem muitos de seus livros de uma lista infindável de publicações solo e em parceria com outros educadores. Escrever e publicar era o seu modo de partilhar suas experiências, sua poesia, seus sonhos (vide, aliás, sua página pessoal: https://apartilhadavida.com.br/).
Eu, particularmente, sou encantada pelos seus poemas e, mais do que utilizá-los nos cursos de formação de professores que ministro, leio-os para cultivar a irmandade poética que sempre nos uniu.
Confesso que a partida de Carlos Rodrigues Brandão nesse 11 de julho de 2023, depois de grande luta contra a leucemia, deixou-me em silêncio profundo. É como se a maior árvore da floresta da vida houvesse tombado a quilômetros daqui. Bem que eu vi a enorme clareira deixada por ela. Entretanto, milhares de árvores ao seu redor estão em pleno crescimento, descendentes diretas de sua linhagem, enverdecidas por sua ética e amorosidade, por sua pedagogia freireana da esperança e da partilha da vida.
“Seja ou não
a primavera,
uma vez a cada ano
eu me abro em flores.
Não vá embora agora.
Espera!
Eu quero florir
Quando tu fores.”
Juraci de Faria é escritora, poetisa e membro da APL – Academia Pindamonhangabense de Letras