
Página de história traz uma festa de São João ocorrida no bairro do Bonsucesso em 1905. A fonte é uma matéria encontrada na edição de 9 de julho do mencionado ano do jornal Folha do Norte (semanário local extinto ainda nas primeiras décadas de 1900). A matéria é assinada pelo pseudônimo “Devoto de São João”.
O festeiro desse evento fora o estimado e participante cidadão Luiz Guimarães, um dos comerciantes do Mercado Municipal (naquela época, instalado na área onde desde 1947 se aquartela o 2º Batalhão de Engenharia de Combate). Luiz era conhecido pelas grandes festas que promovia no Largo Mercado. Nesse local, ele havia transformado um cômodo em uma capela e a denominando de Capela de São João do Comércio, onde anualmente realizava concorridos festejos juntamente com os amigos Ignacinho Torquarto e Chico Cardoso.
Com a morte dos festeiros e animados amigos, poucas foram as festas dignas de menção realizadas na tal capela. Foi quando o Luiz resolveu ir morar no bairro do Bonsucesso, para lá levando seu gosto pelas lides festivas. Assim como já havia feito na cidade, também naquele bairro ele transformou um cômodo em capela de São João, dando prosseguimento às grandes festas joaninas.
Conta o “devoto de São João” em seu artigo, que tinham sido “quatro dias de folias”. Ainda no dia 23, “o Luiz viera trazer o almoço aos presos”. Esse costumeiro ato beneficente, era “a chave de ouro com a qual o filantrópico e humanitário festeiro abria a porta das festividades de São João no bairro do Bonsucesso”.
Na volta para o bairro, o festeiro já levou consigo os componentes da Corporação Musical Sete de Setembro, regida pelo maestro João Maria Pires. Ao chegarem, houve a reza da ladainha ao som da banda, em seguida, Luiz ofereceu jantar e hospedagem à maior parte dos músicos.
As atividades festivas tiveram início logo após o jantar, no largo da capela de São João, “…moças da cidade e da roça passeavam, em sentidos contrários como bandos de borboletas, era grande e animado o movimento”, descreve o redator em sua matéria. Dali, a banda Sete de Setembro se dirigiu até a residência de um dos moradores das proximidades, dando início ao baile. Conta o “devoto de São João”, que foi até lá e pode apreciar “joviais senhoritas da cidade e do bairro, amadoras da dança, que lá estavam, e um punhado de rapazes disposto a amanhecer dançando.”
Café com pamonhas
Eram quatro horas da manhã do dia 24 quando, relata o articulista, “…dançou-se a última quadrilha, marcada pelo festeiro Luiz Guimarães”. Instantes depois ouviram-se os fogos, repique dos sinos da capelinha e a banda tocando uma linda marcha: “Era a alvorada! Saímos a correr… Uma das mais gentis senhoritas empunhou a bandeira do Divino Espírito Santo, que lá estava desde a véspera, e seguiu na frente da música”, comenta o redator, dizendo que caminharam até o fim de um bambual, onde morava o “alferes do café com pamonhas e pipocas”, denominação que recebia o morador que ficava responsável pela distribuição do café com pamonhas e pipoca aos participantes da festa.
Segundo o redator, já era de manhã, mas ninguém dormia, “o Guimarães e a família derreavam-se em amabilidades para com todos, quando a Sete de Setembro apareceu tocando, acompanhando o pau de sebo e o mastro. Colocados ambos em seus lugares, subiram ao ar numerosos foguetes”. Prosseguindo, revela que as “pelegas” (notas, dinheiro) colocadas no alto do pau de sebo, foram mais tarde “abiscoitadas por um moleque que se mostrou hábil em ginástica.”
Missa e batizados
Às 11 horas foi celebrada a missa de São João pelo padre Joaquim Gororós. Em seguida, houve um animado leilão de prendas e depois um “lauto almoço”. Terminado o almoço, todos seguiram para a igreja de Santa Rita, onde foi ministrado o sacramento do batismo do padre Joaquim Gororós.
“A igreja estava repleta de moças, lindas como as flores”, descreve, dizendo que também haviam sido batizados naquela oportunidade os dois filhos do Luiz Guimarães, recebendo os nomes de Otto e Eloy, sendo padrinhos o fazendeiro João de Oliveira e o comerciante Antonio Alves Moutinho, e madrinhas, Elisa de Oliveira e Alice Paschoal.
Balão, fogueira e jongo
O cronista menciona também que ao regressarem da igreja, viram subir um belíssimo balão medindo mais de quatro metros, “perito trabalho do distinto cavalheiro Carlos Henke, residente em São Paulo”.
Conta que, à tarde, foram reiniciados os festejos e ao escurecer acenderam uma enorme fogueira, onde “os pretos formaram a dança do jongo”. E que o Luiz mandara colocar ao pé da fogueira um barril da aguardente especial “Paraty”. Ao mesmo tempo em que era oferecido um “suntuoso jantar de batizado na casa do festeiro”.
Baile, versinhos e pula fogueira
Quando todos pensavam que a festa tinha acabado, “as senhoritas, depois de apreciarem belos foguetes de mil cores, foram buscar a música e inventaram um novo baile, que não durou até o amanhecer de domingo, 25, porque todos estavam cansadíssimos, mormente os invencíveis músicos da corporação Sete de Setembro.”
A festa continuou domingo afora. As senhoritas (incansáveis senhoritas) resolveram que era hora de saltar a fogueira. Foi quando uma delas entregou ao cronista, ou “devoto de São João” e colaborador da Folha do Norte, algumas quadrinhas, das quais, duas ele publicou em sua matéria:
Vamos ver quem é valente,
Quem salta mais do que eu;
– Moços! Corramos à frente,
A fogueira já acendeu!
Salta tu, moço galhardo,
Quero ver o teu ardor…
Em face do teu amor
Não te faças de rogado
Procissão e encerramento
Eram já 9 horas quando, em procissão e ao som da banda, a imagem de Santa Rita foi conduzida de volta à sua igreja.
“Três andores eram conduzidos por 12 senhoritas formosas. Eram eles: o de Santa Rita, São João e São Pedro”. Após a entrega da imagem de Santa Rita ao seu templo, houve uma ladainha e, em seguida, “fez-se a trasladação das imagens de São João e de São Pedro à capela do primeiro”.
As festividades de São João do bairro do Bom Sucesso foram encerradas com um almoço e depois de tocarem o dobrado “Buraco do Rezende”, os músicos da banda Sete de Setembro retornaram para a cidade.
O cronista assim encerra seu artigo sobre a festa:
“Mais tarde foram se despedindo os convidados. Foram rareando as moças e, quando vimos que éramos quase os últimos, às 6 horas da tarde, demos um abraço no Luiz Guimarães, agradecemos as gentilezas que nos dispensou tão filantrópico cidadão e entramos numa caçamba ao qual dão o nome de trolly, e passamos pelo Cruzeiro (praça do Cruzeiro), na cidade, às 8 horas da noite.”