
ocupa a cadeira nº 30 da APL – Academia Pindamonhangabense de Letras
Minha avó viúva é uma mulher franzina com noventa e dois anos escancarados em seu um metro e meio. Sua memória tem dado sinais de preguiça; por isso, quero desfrutá-la antes do derradeiro adeus.
Procuro visitá-la amiúde, pois gosto de conversar com ela para conhecer curiosidades de nossa ancestralidade. Nossas conversas, tradicionalmente, são saboreadas com bolo de fubá e café que ela prepara no fogão de lenha.
Quando lá estou, sento-me à mesa rústica da cozinha enquanto ela espera a chaleira apitar, com o coador de pó pronto para receber a água fervente e espalhar o cheirinho de café. Eu fico viajando na memória, me lembrando da minha infância com ela, e admirando a decoração roceira.
Pendurada na parede está a peneira de bambu trançado, usada, principalmente, para separar impurezas do feijão. (Perdi a conta das vezes que eliminei grãozinhos de terra e milho sob a supervisão dela). Num canto da cozinha, ao lado da porta, o pilão fica dormindo, esperando a chegada da quaresma para produzir paçoca.
— Você é o único que não se esquece de mim ‒ diz ela, me servindo café e bolo.
— Gosto de aprender sua bondade, vó.
Ela se derrete e me abraça demoradamente.
— Também gosto dos causos que a senhora me conta.
— Causos? Eu conto causos?
— Conta sim, vó. Muitos.
— Não me lembro ‒ ela diz, sorrindo ‒ Mas já que falou nisso, me lembrei da carta de amor que o seu avô escreveu, quando éramos noivos, para uma sirigaita. Eu já contei sobre isso?
— Não contou não.
Ela sempre repetia histórias, mas aquela, realmente, eu desconhecia.
— Vai lá, no meu quarto. Em cima da cômoda tem uma caixinha de madeira. Traz pra mim. A carta está dentro dela.
Fui e voltei no mesmo pé.
— Não tem nenhuma caixinha lá, vó.
Ela colocou os cotovelos na mesa, juntou as mãos debaixo do queixo e, pensativa, mergulhou o olhar na xícara de café.
— Agora me lembrei. Eu guardei a caixinha dentro do guarda-roupa. Vou lá pegar.
Ela foi e não voltou. Levantei-me e fui ver o que havia acontecido. Ela estava deitada, cochilando. Cheguei pertinho da cama e sussurrei:
— Vó… Achou a caixinha?
Ela abriu os olhos assustada.
— Caixinha? Qual caixinha?
— Aquela que tem a carta que o vovô escreveu para uma sirigaita.
— Carta? Sirigaita? Aquele velho sem-vergonha está me traindo?