Numa cidade provinciana como esta, a vida sossegada e igual se escoa numa evangélica tranquilidade. Lembrando a placidez de uma lagoa que o olhar estático abre na floresta. Assim, ao povo é sempre muito grato se alguma festa, algum divertimento, lhe quebra um pedaço desse viver pacato, pondo um pouco a cidade em movimento. Por isso, sempre, quando na cidade uma festinha em qualquer ponto ocorre, no mais justo alvoroço, a mocidade, radiante de prazer, a ela acorre…
O torneio esportivo que na Vila Nair se vem fazendo por um pessoal garboso e destorcido, tem, aos domingos, atraído ali grande afluência, e assim vem sendo um ponto de reunião lindo e festivo. Aproveitando a amenidade desta quadra de céu fumoso, mas benigno, e a maciez de um sol convalescente, nosso adorável mundo feminino tem levado ao local seu contingente, dando maior encanto e brilho à festa.
Como hoje ir aos esportes signifique alguma coisa de chic, porque os adora em toda parte o escol, essa assistência alegre e rumorenta, buscando um pouco de emoção, frequenta o ground, tomando gosto ao futebol. Por entre aplausos dos espectadores, numa confiança impávida e serena, os guapos jogadores, sorrindo, entram na arena. E a pugna então decorre entrecortada de piadas e ovações dos torcedores, o que mais estimula a rapaziada.
Eu é que, vez por outra, deixo de parte o jogo, e a zona vou sondando, de modo que lá um ou outro trecho possa dos comentários ir pilhando. “Repara só – diz um – que torcedela desesperada daquela, porque apostou no preto… quinhentão! Tanto braceja, grita, sapateia, que lhe entumesce a cordoveia e fica rubra como um pimentão!”
Tudo isso, entanto, é fita, apenas fita. Outro responde -; logo se desprende das perguntas que faz, seguindo o jogo, que embora torça assim, o rosto em fogo, chispante o olhar, desenfreada e aflita, ela daquilo quase nada entende. “Por quem torce você – vermelho ou preto? Eu sou vermelho; o preto não aguenta”. “Não, nesse embrulho já não mais me meto; basta o banzé que da outra vez a minha pequena fez, a me acusar, ciumenta, que se eu torci foi só pela… madrinha.”
Mas eis que o juiz apita para anunciar que terminara a luta, reboando no ar então medonha grita que quase deixa surdo quem escuta. O povo se dispersa, entre o alarido que fazem, discutindo, os torcedores, e enquanto a Euterpe os ares sonoriza executando um tango remexido, como a saudar também os vencedores, curvam-se os bambuais à doce brisa. Enquanto, nessa hora, a todo esse ruído circunstante, a toda essa alegria e animação eu me sentia inteiramente alheado, porque gentil morena encantadora, chutando do meu lado um longo olhar, tão terno e penetrante, vem fazer-me um gol no coração.
João de Pinda, Tribuna do Norte, 28 de agosto de 1921
Nota. Esta crônica, prosa em poesia, assinada sob o pseudônimo João de Pinda, é do poeta, professor e escritor João Martins de Almeida. Recorda aquelas imperdíveis tardes domingueiras de futebol realizadas no campo que existia na Vila Nair. Preto x Vermelho era como os times se identificavam para a peleja num tempo em que os apetrechos para a disputa eram bem diferentes. O interessante e concorrido evento atraia adultos, jovens, crianças e idosos para a divertida “tarde esportiva”…