
Vendedor de amendoim da década de 30 já inovava com o canto de composição de sua autoria pelas ruas e logradouros públicos, apresentando sua mercadoria à população
ALTAIR FERNANDES CARVALHO
Fomos buscar nas memórias do inesquecível advogado literato, herói da Força Expedicionária Brasileira na 2ª Guerra Mundial, Túlio Carvalho Campelo de Souza (1920-2008), uma doce recordação referente aos tipos inesquecíveis da Pindamonhangaba antiga…
Com o título “Reminiscências”, Túlio presenteou os leitores da Tribuna do Norte, em sua edição de 26/9/1981, com um texto interessante a quem cultua o nobre hábito de relembrar nossa Pindamonhangaba de outros tempos, suas coisas, suas histórias, seus lugares, suas pessoas…
Juvenal, o vendedor de amendoim
Há 44 anos, Túlio publicava uma reminiscência referente a Pinda dos anos trintas… O personagem de seu saudoso artigo era o cidadão, morador no bairro Boa Vista, chamado Juvenal. Muito conhecido, principalmente nas ruas centrais da cidade, devido a sua atividade de vendedor de amendoim torrado. Juvenal já naquela época tinha ideias propagandistas um pouco adiante de seu tempo, ele se utilizava de uma musiquinha para anunciar seus produtos.
“Todos lembram-se dele e daquilo que cantava nas noites calmas, tranquilas e seguras de Pinda nos anos 30”, recordava Túlio Campelo.
Sobre as ruas da Pinda daquela época Túlio lembrava também que o município ainda não contava com ruas pavimentadas. Tanto é que, segundo ele, foi só por volta de 1933-1934 fora calçada o trecho de uma via. A então denominada Sete de Setembro, atual Deputado Claro Cesar. E assim mesmo, só no trajeto compreendido entre a frente da igreja matriz até o cruzamento com a rua dos Andradas.
O saudosista que se tornou saudade, ainda complementava que as demais ruas da cidade eram todas de terra, incluindo as ruazinhas do passeio público do jardim da praça Monsenhor Marcondes.
Minduim de Zezé… a musiquinha
Retornando a Juvenal, recordava: “Por nossas ruas passava o Juvenal, ao anoitecer, vendendo sua mercadoria: amendoim torrado, descascado e acondicionado em cônicos de papel ordinário ao preço de 200 réis cada. Duzentos réis era também o preço de um cafezinho ou de um pequeno sorvete de fabricação caseira”.
Seu produto: o “minduim de Zezé”, que ele cantava acrescentando “…é de Nazaré”.
O fato interessante é que Juvenal havia inventado essa musiquinha para melhor apresentar o seu produto à freguesia faz quase 100 anos. Comparando aquele início dos anos 80 com 1930, Túlio (que também possuía conhecimentos musicais, era pianista), comentava: “Hoje, nos meios de comunicação de massa (que os profissionais chamam pedantemente de mídia) pululam os jingles, as cançonetas extraídas aos pedações de canções mais antigas, como, por exemplo, os três ou quatro compassos tirados da canção ‘Single in the rain’, da qual se apossou uma caderneta de poupança e cujo som faz explodir um piano de cauda com uma catarata de moedas”.
Túlio Campello referia-se ao fato de que o inteligente Juvenal já utilizava a música para propagandear seu produto de maneira mais criativa à comparada àquele feito no início de anos oitentas pelas empresas de publicidade, com seus compositores plagiando e utilizando composições já existentes e de domínio público.
Sobre as composições de Juvenal, relembrava: “Essa cançãozinha tinha estrofes e estribilho; tinha, aliás, várias estrofes, versos diferentes, procurando persuadir a quem comprasse o amendoim torrado”.
Quanto às limitações do e Juvenal destacava: “…na sua pronúncia de homem humilde do interior, chamava (e nós também) o amendoim de ‘minduim do Zezé’”.
As composições de Juvenal
Explicando a composição musical do vendedor de amendoins, Túlio Campelo ressaltava: “…a melodia de Juvenal era em tom maior, tinha estrutura simples e fácil de decorar. O estribilho era ‘minduim de Zezé… é de Nazaré’”, e acreditava que o nome Nazaré talvez viesse apenas para rimar com Zezé.
Os poucos versos de Juvenal, fruto das pesquisas de Túlio com antigos moradores de Pindamonhangaba naquela época, também fizeram parte da publicação no referido artigo:
“Fui na horta apanhar couve,
o capim cortou meu pé.
O remédio que curou
foi minduim de Nazaré.
Estribilho: – Minduim Zezé… é de Nazaré
A criada venha ver
O que a criança qué (quer).
A criança tá querendo
O minduim de Nazaré.
Estribilho: – Minduim Zezé… é de Nazaré
Eu não posso parar muito,
eu não posso parar não,
vou servir a freguesia
lá no Largo da Estação.
Estribilho: – Minduim Zezé… é de Nazaré
Fui passando pelo clube
O jazz-band até parou,
E no meio de uma pausa
O maestro assim gritou.
Estribilho: – Minduim Zezé… é de Nazaré”
Prosseguindo suas agradáveis lembranças, o articulista herói de guerra lamentou não haver encontrado outras produções de Juvenal, ainda que tivesse procurado, indagando e conversando com os moradores mais antigos.
Não obtivera êxito, não havia encontrado alguém que conservasse na memória a produção literária de Juvenal. Entretanto, ficou sabendo da existência de um folheto com os inconfundíveis versos de Juvenal, publicação dele próprio, porém, não conseguiu nenhum exemplar desse valioso impresso.
Conforme revelava Túlio, o que mais o entristecia, o que ele acreditava fosse o pior enquanto pesquisador interessado no resgate de algo que se perdera no tempo, era a impossibilidade de poder registrar a musiquinha de Juvenal pelo som.
Outros recursos do vendedor
Contando sobre outros recursos usados por Juvenal para vender seu “minduim de Zezé”, contava que, “Cada semana ele colocava dentro de um dos cartuchinhos de amendoim uma pratinha’ de 500 réis. Não havia distribuição de cupons. Quem tivesse a sorte de comprar o cartuchinho certo ganhava 500 réis. E como a meia entrada no Eden Cinema era 600 réis, o felizardo que acertasse o prêmio só teria que arranjar mais 100 réis, isto é, mais um tostão”.
Para Túlio, “Juvenal foi um precursor no emprego de recursos propagandísticos utilizando a música. Estes recursos constituem, atualmente, a base de empresas de porte elevado”, lembrava para justificar sua opinião de que naquele ano de 1981 havia um apresentador de programa de televisão, certamente o Silvio Santos, que se valia de melodias criadas para animar seu auditório “e ganhar mais dinheiro…”
A denominação “pão de Nazaré”
Para complementar suas reminiscências da Pinda antiga nas páginas da Tribuna, Túlio ainda contou que depois de algum tempo, com o objetivo de aumentar seus ganhos, além da atividade com a venda de amendoim, Juvenal havia se empregado na padaria do senhor Augustin San Martin Filho, para vender pão.
Foi na padaria San Martin que, de acordo com o médico literato e advogado, teria surgido a expressão “pão de nazaré”, ou seja, o nosso pão nazaré, segundo ele, outra criação, cuja autoria se creditava ao bom Juvenal.
A origem de tal denominação, assim ele explicava: “Sucede que entre as diferentes validades de pão fabricado naquela padaria, havia um pequeno pão doce, de massa muito macia, apreciado por todo mundo e que custava um tostão. O Juvenal, ao vender os pãezinhos, chamava-os ‘pão de nazaré’”
Num tempo em que as ruas de Pindamonhangaba ainda não eram pavimentadas, o vendedor de amendoim torradinho passava a cantar seu pregão…
Na foto, da esquerda pra direita, Túlio Campelo, Eloyna Ribeiro, Julieta Reale e Carmelita Romeiro Ramos Melo, suas amigas que, assim como ele, gostavam de escrever casos e causos da Pindamonhangaba antiga no jornal Tribuna do Norte
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Em seguida, referindo-se ao ano em que escrevera a reminiscência (1981), acrescentou: “E assim temos até hoje, o nome ‘pão de nazaré’ ainda circulando aqui, para indicar um pequeno pão doce. Entretanto, o atual ‘pão de nazaré’ é maior do que o antigo e, pedindo desculpas aos senhores padeiros, ele não é tão saboroso quanto o antigo”.
Saudoso, ressaltou os sabores inesquecíveis que haviam ficado no passado: “Acima de tudo, porém ele não tem mais gosto dos pães, dos doces, do ‘minduim do Zezé’, e de todas as outras guloseimas que traziam o tempero inigualável da nossa infância e adolescência.”
Aos leitores, que igual a nós, cultivam alguma reminiscência ou imaginam a Pindamonhangaba de outros tempos, concluímos a página de história desta edição com mais este belo parágrafo da prosa poética do literato Túlio Campelo:
“No crepúsculo e na noite calma, quase silenciosa, noite terna de uma cidade e de um tempo de pretéritos em cujo saber doce e pungente vive apenas na recordação de cada um… A memória se esvai, vamos perdendo aos poucos os fragmentos do enorme mosaico que é nossa vida, feito de imagens, de cheiros de gostos, de sensações, tudo relacionado e entrelaçado, dentro da moldura da ternura e da saudade.”