Ele era quase um atleta. Quase porque pedalava e caminhava somente quando a preguiça tinha preguiça de ter preguiça, como naquele sábado primaveril. Após conferir a calibração dos pneus, verificar o ajuste dos freios, encher a garrafinha com água, vestiu-se de ciclista. Ajustou capacete, óculos fotocromáticos, e pedalou até chegar ao Parque da Cidade. No parque, acorrentou a bicicleta e começou a caminhar pela pista que circunda o pequeno bosque rasgado por um riozinho.
Antes de concluir a primeira volta, viu a loira com saia de tenista, de pernas cruzadas, sentada num banco. Ela o abordou:
— Oi, gato. Tá suadaço, hein! Senta aqui comigo pra descansar um pouco.
Ele olhou para os lados e para trás.
— Está falando comigo?
— Você está vendo algum outro gato?
Sentou-se. Ainda sentia os resquícios do último relacionamento, regido pela bipolaridade da companheira. Por isso, jurou que viveria a solteirice. Mas, aquela loira…
— Em quê você está pensando?
— Eu? Em nada.
Ela tocou no bíceps dele.
— Você é muito forte. É corajoso também?
Ele encolheu a barriga, estufou o peito e inventou coragens, dizendo que, certa vez, lutara contra o leão que fugira do zoológico. A loira achou exagero, mas ele continuou enumerando façanhas.
— Eu preciso de um homem assim, que me proteja.
No momento em que ele se curvava para beijá-la, a menininha saiu correndo do bosque, berrando desesperos.
— Jacaré no rio! Jacaré no rio!
A loira segurou a menininha pelo braço e a colocou no colo.
— Não tenha medo, garotinha. Esse moço ao meu lado é mais forte do que o jacaré. Fique aqui comigo. Eu vou ligar pro IBAMA enquanto ele vai lá segurar o bicho.
— Eu? Segurar o jacaré?
— Para quem lutou contra um leão, um jacarezinho de nada vai ser moleza. Vai lá.
— Estou indo.
— Então levanta e vai.
— Já vou.
Nesse vai-não-vai, o pai da menininha apareceu.
— Filha, aquilo não era um jacaré. Era uma lagartixa no tronco boiando no rio. Sua mãe está nos esperando. Vamos embora.
A loira se levantou e chamou o rapaz de “maricão”.
— Maricão? Eu não fui porque sabia que não tinha nenhum jacaré. Mas se tivesse, eu o viraria no avesso.
A loira fez cara de assustada, apontou para debaixo do banco e falou:
— Então, me prove. Ele está bem debaixo de você.
O rapaz desmaiou. E o jacaré? Ah, era apenas uma lagartixinha.