
e doutor pela USP, professor
universitário, Magister ad
Honorem da Universidade
de Bolonha, e Professor
Visitante das Universidades
de Bonn, Munique, Colônia e Berlim
(Alemanha). Professor Convidado da
Universidade de Paris V (Sorbonne)
Nos tempos atuais, em que imperam os valores e prodígios da tecnologia, que, a princípio, deveriam trazer conforto e bem-estar para as pessoas, cada vez mais há uma queixa que cresce em todo nosso sofrido planeta: os malefícios da solidão. Alguns estudiosos do assunto revelam que ela é necessária para um descanso dos deveres sociais, para revigorar o espírito, conquanto estudos da área da Psiquiatria indiquem que a solidão duplica o risco de se desenvolver ansiedade e depressão. A convivência com um círculo maior de amizades reduz esse risco em aproximadamente 15%, não esquecendo que a solidão pode originar privação e perda, elevando a níveis alarmantes o cortisol — hormônio do estresse que causa prejuízo ao nosso sistema imunológico.
Certamente, a solidão deveria ser um momento da nossa vida em que valorizamos a própria companhia, nos conhecemos melhor, entendemos melhor nossos pensamentos e emoções. Mas será que é assim que a consideram os pensadores?
Friedrich Nietzsche (1844–1900), filósofo alemão, filólogo e crítico cultural, ao encarar o silêncio como componente da solidão, nos ensina que é somente nele que surge a positividade da transcendência. Nele, o ser humano se permite escutar a si mesmo, num caminho de “presença na ausência”, transmitindo-nos a noção de que a solidão surge vinculada à necessidade urgente de reafirmação e reintegração do amor próprio. Aqui, creio ser importante recordar que o Nazareno afirmou: “Nunca estou sozinho porque o Pai está comigo”, revelando-nos que sentir-se solitário e o relacionamento com Deus estão intimamente vinculados.
A Psicologia nos traz a noção de que a solidão oferece um espaço privilegiado para o equilíbrio das nossas emoções, proporcionando uma sensação de liberdade e autonomia — tão necessária neste mundo repleto de preocupações e estresse. Nessas horas, sentimos como se o mundo estivesse prestes a desabar sobre nossas cabeças, e nos percebemos “pequenos, sozinhos no meio da gente”. Isso nos faz recordar a frase atribuída a Nietzsche: “Não venham roubar a minha solidão, se não tiver algo mais valioso para oferecer em troca”. Essa citação sugere que a solidão vai além da mera ausência física de alguém; exige que estejamos atentos às nossas relações interpessoais, reconhecendo a existência tanto da solidão emocional quanto da social.
Dessa maneira, é de suma importância considerarmos a solidão como a arte do nosso encontro com o vazio existencial, da procura de significados para os atos e da ausência ou perda do outro. O pai da Psicanálise, Sigmund Freud, não nos transmitiu a ideia de que a solidão é tomada por nós, no sofrimento, como manifestação de mal-estar no vínculo social? Não seria ela o reflexo de quando nos perdemos de nós mesmos e caminhamos inutilmente à procura da própria alma?
Aqui, relembro o filósofo da Grécia antiga, Aristóteles, para quem a melhor forma de vida seria a contemplativa — praticamente inexequível no louco mundo ocidental em que vivemos. E também o poeta-filósofo renascentista Petrarca, que via na solidão um meio de reabilitação da alma, uma forma de purificação das afeições, de eliminação de manchas e de aproximação do homem com o Altíssimo.
Para finalizar estes breves comentários, trago a reflexão do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788–1860), crítico do otimismo iluminista e cognominado o “filósofo da vontade e da representação”. Ele disse: “Na solidão, cada um está apenas com sua própria companhia, sentindo a si mesmo como é. O sábio quer pertencer a si mesmo”. Nessa linha de pensamento, ao utilizarmos a solidão para a reflexão e o autoexame — ainda que esse seja um processo doloroso — reconhecemos seu valor. É nesse momento que, possivelmente, tomamos as rédeas da fantasia e deixamos de construir castelos no ar, os quais apenas nos conduzem a expectativas vãs, estas sim, as verdadeiras mães da desilusão.