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Faz de conta que…
…em Craco, uma cidadezinha ao sul da Itália, havia uma competição de serenata no século XVII. As donzelas casadouras se posicionavam na sacada de casarios e aguardavam a cantoria. Se a melodia e a voz não agradassem, a donzela despejava um balde de urina no seresteiro. Quem conseguisse permanecer enxuto, recebia generosa quantia de moedas de ouro, desde que a donzela o beijasse. Para que a competição fosse justa, donzela e seresteiro usavam máscara e mantinham o anonimato até o vencedor ser declarado.
Outro detalhe da lisura do concurso: em uma sacolinha de couro colocavam pedras numeradas de acordo com a quantidade de participantes. Em seguida, o padre enfiava a mão na sacolinha, chacoalhava e fazia o sorteio, definindo o posicionamento dos seresteiros.
Em uma dessas competições havia cinco donzelas. Sob os olhares curiosos do povo, o padre fez o sorteio que ficou, assim, definido: Vittorio recebeu o número um. O tenor rechonchudo de cabelos desgrenhados e olhos acinzentados, além de glutão era instrumentista e compositor. Em seguida, Gioacchino, o esquálido luthier aprendiz de pouco talento. O número três ficou com o prepotente Vincenzo, o corpulento de cabelos longos, olhos verdes, barítono e alaudista prestigiado na região. Depois, Gregório, o tenor sentimentalista incapaz de concluir uma execução sem derramar lágrimas. O número cinco foi para… Ah, depois eu conto.
Assim que os seresteiros se posicionaram, o padre ordenou que Vittorio começasse a serenata. Este se apoderou do instrumento e aveludou a voz. Tudo corria bem até o intestino ameaçar a erupção. Tropeçando lá e acolá, saiu correndo procurando local para o despejo. O balde ficou para depois.
O próximo foi Gioacchino. Começou a tocar; entretanto, como não havia ensaiado, desafinou e foi, merecidamente, encharcado.
Na sequência, Vincenzo que, desdenhando dos concorrentes, dedilhou o instrumento com tanta energia que várias cordas arrebentaram. Aturdido pelas gargalhadas, arremessou o alaúde no chão e protestou: “sabotagem”. Tentou correr, mas não escapou da urinada.
A enorme possibilidade de ganhar o concurso diluviou os olhos de Gregório que até tentou, mas não conseguiu concluir a seresta. Também não escapou da “chuvarada”.
Finalmente, o de número cinco. Lorenzo era o nome dele; um alaudista com fissura palatina que morava na cidade vizinha. Sendo fanho, assim que começou a cantar, o povo caiu na gargalhada. Na sacada, a donzela de olhos azuis sorria e aplaudia, encantada.
O fanho terminou a apresentação e o balde permaneceu inamovível. Embasbacado, o povo confabulava procurando a razão para a inércia da donzela, enquanto ela descia da sacada. Diante do vencedor, o padre retirou as máscaras e o beijo prolongado aconteceu.
Meses depois, na igreja daquela cidadezinha foi realizado o casamento do músico fanho com a donzela… surda.