Era tradição. Todos os homens da família ostentavam bigode. O avô cultivava a piaçava branca que se acachoeirava até o queixo. O pai vivia cofiando o volumoso grisalho. O primogênito passava horas penteando os espessos fios dourados. O caçula era a decepção da família.
Com dezoito anos, tinha o buço árido.
— Esse menino não tem o nosso sangue – Ranzinzava o avô.
A mãe do menino, sentindo-se ofendida, autorizou o exame de DNA. O pai não concordou. Decidiram, então, levar o rapaz ao dermatologista. Diagnóstico: alopecia rara. O especialista explicou que alopecia significava a incapacidade do corpo em produzir pelos.
Assim que o avô soube da anomalia, convocou reunião para o período vespertino do dia seguinte, na biblioteca onde estava pendurado o retrato do bisavô bigodudo. No outro dia, no período estabelecido, acompanhado por toda a família, o avô empurrou a porta da biblioteca e encontrou a faxineira desempoeirando livros.
— Quem é essa mulher?
— É Eulália. Clotilde adoeceu – Explicou a nora.
— Não quero nenhuma fofoqueira aqui!
— Não se preocupe. Ela não ouve nada, nem fala. Não tem língua.
Ressabiado, o velho berrou no ouvido da mulher. Ela nem se mexeu. Entretanto, a dentadura dele pulou da boca. Constrangido, ordenou através de gestos: “Abra a boca!”. Ela abriu. Ele ficou perplexo. A boca era uma caverna inabitada por língua e dentes, portanto, desabilitada para a fala. Tranquilizado, começou:
— Os homens de nossa família são notórios por seus bigodes. E o bigode é condição irremovível para ter direito à herança…
Enquanto discursava, a faxineira subiu na escadinha com pano semiúmido e começou a limpar o quadro do bisavô. Limpa pra cá, limpa pra lá, o bigode do retrato desapareceu. O caçula, segurando o riso, apontou o quadro. O avô se enfureceu.
— Desastrada! Despenduremo quadro. Quero avaliar o estrago.
O retrato, pendurado e intocado há mais de cem anos, foi colocado na mesa de mogno. Havia algo escrito no verso da tela. “Eu, Barão da Piaçava, declaro ser desprovido de… pelos no buço”. Ao concluir a leitura, o velho ruiu na cadeira. Naquele momento, a nora revela um envelope amarelado. “Antes de morrer, Dona Quitéria me deu para ser aberto quando o nosso caçula atingisse a maioridade”. Pediram-na para ler.
“Meu marido é muito exigente quanto à tradição da família: o bigode – que ele não tem. Os pelos que usa são artificiais. Sei disso, pois o flagrei várias vezes recolando fios. Ele não sabe que eu sei. Meu filho é igual a ele, e meu neto, também. Os bigodes de meu filho e de meu neto foram confeccionados por mim. Segredo entre mãe e filho, avó e neto e mais ninguém. Provavelmente, o caçulinha seguirá a genética.”