Maurício Cavalheiro
ocupa a cadeira nº 30
da APL – Academia
Pindamonhangabense
de Letra
Antes da invenção da máquina de lavar roupa, amaciantes e sabões em pó, os mais abastados contratavam serviços de lavadeiras: mulheres simples que batalhavam pela sobrevivência. Debruçadas sobre tanques rústicos de cimento, elas molhavam os tecidos, ensaboavam com sabão em barra, esfregavam, enxaguavam e torciam. Em seguida, colocavam as roupas no varal e para quarar.
Beltrana era uma dessas lavadeiras. Mulher simples, de honestidade imperturbável, e mãe de quatro filhos. A batalhadora era viúva de um pinguço. Entre os clientes de Beltrana, estava a senhora Fulana, casada com o senhor Sicrano, um homem endinheirado à custa de trapaças. Uma vez por semana, a lavadeira ia até a residência do casal, de onde saía equilibrando, na cabeça, a trouxa de roupa suja. Na última vez que lá esteve, ouviu Sicrano cochichar com a esposa:
— Vamos ver se ela realmente é honesta.
— Eu ponho a minha mão no fogo por ela.
— Vai queimar.
Após caminhar por hora e meia, Beltrana chegou a casa, colocou a trouxa sobre a mesa e começou a separar os tecidos. Roupas brancas de coloridas, meias, roupas de cama e mesa… Antes de mergulhar os panos no tanque, ela verificava se os bolsos estavam vazios. Desta vez, encontrou um conto de réis numa camisa de Sicrano e um bilhetinho numa calça dele.
Com a cédula na mão, lembrou-se de que já havia lhe faltado comida em dois dias naquela semana, e que aquele dinheiro adiantaria o retorno da miséria. Lutando contra a tentação, apertou o crucifixo pendurado no pescoço contra o peito e chorou. O bilhetinho ela leu e guardou junto ao dinheiro.
Assim que terminou o processo de lavagem e secagem das roupas, ela equilibrou a trouxa de roupas limpas na cabeça e caminhou até a residência de Sicrano e Fulana. Ao chegar, a lavadeira bateu palmas e não demorou a ser atendida.
— Entre, Beltrana. Vou pegar o seu dinheiro. Só um minutinho.
Fulana foi e voltou em companhia do marido.
— Aqui estão os seus tostões.
Beltrana recebeu as moedas e as guardou no bolso que havia em seu vestido, de onde tirou a cédula.
— Senhora Fulana, antes de lavar qualquer peça, eu verifico se há algo nos bolsos. Encontrei esse dinheiro e estou devolvendo.
Sicrano, num gesto ríspido, arrancou o conto de réis das mãos da lavadeira.
— Muito obrigado.
Na porta de saída, Beltrana se lembrou do bilhetinho.
— Também achei esse papelzinho, dona Fulana. É uma declaração de amor de outra mulher para o seu marido.
Antes de ir embora, Beltrana encarou o senhor Sicrano e falou:
— Posso ser pobre, mas sou honesta. E o senhor?