Ela nasceu no catolicismo, mas não pisava numa igreja desde o ocorrido. Embora tivesse passado dias e noites rezando, suplicando a cura do pai, ele falecera. Por isso ficou decepcionada com Deus. O marido era ateu. Ela já estava casada quando o pai sucumbiu. Desde então, se transformou numa mulher amarga, sem vida, sem brilho. Desleixou-se. Não punha os pés na rua. Tinha dias que não se banhava. Emagreceu. Envelheceu mais do que o tempo prognosticou. Vivia sentada no quintal, olhando para o nada. O marido tentava tirá-la da letargia.
— Me deixe em paz!
A mulher com quem se casara não existia mais. Os olhos festivos, o sorriso de princesa e o dulçor da voz estavam adormecidos. Ele tentou de tudo, mas ela permanecia embrulhada no luto. Alguns amigos sugeriram que ele procurasse ajuda espiritual, que optasse por alguma religião. O amor pela esposa era tão grande que ele acedeu. Faz algum tempo que frequenta a capelinha do bairro, com bíblia e terço nas mãos, sem a esposa. A sogra, preocupada, resolveu ficar uns dias cuidando da filha.
— Você precisa me dar um neto.
— Pra Deus levar embora também?
— Deus não levou seu pai. Se não fosse viciado no tabagismo, provavelmente, ainda estaria entre nós. E isso pra não falar do alcoolismo. Perdi a conta de quantas vezes chegou carregado em casa!
A filha ouvia e descarregava o choro no colo materno. O genro, à porta, pigarreou e acenou.
— Estou indo à capelinha… Irei rezar.
A sogra, que até então não sabia da conversão, foi abraçá-lo.
— Meu filho, então finalmente você ouviu o chamado de Deus – cheirou o pescoço dele – Hum… Não acha que está perfumado demais?
Ele riu.
— Quer que eu vá fedendo à casa de Deus?
— De jeito nenhum… Que horas costuma voltar?
— Até às 23 horas estarei aqui.
— Agora são… 18h30. Demora tanto assim? Vai ter missa?
— Não, não. Somente a reza de terços.
A sogra o abraçou novamente.
— Estou impressionada. Até outro dia você era ateu, agora parece que não vive sem rosários. Já aprendeu que ao rezar três terços completa um rosário?
Ele enrubesceu.
— Já sim.
Ele se despediu e saiu. A sogra desconfiou. “Para ir rezar ninguém precisa tomar banho de perfume. Tem caroço nesse angu”. Esperou a filha dormir e saiu. Entrou na capela e sentou-se no último banco de onde pôde observar a mulher de sotaque argentino puxando o terço. O genro estava lá com meia dúzia de pessoas.
Ela voltou arrependida por suspeitar de traição do genro. Ah, se ela soubesse que a mulher de sotaque argentino se chamava Rosário…