Todo mundo tem um chefe ruim para contar; o meu arquivo prefere guardar os bons. Porque, se virei profissional melhor, foi muito por causa das referências certas — aquelas que chegam como farol quando a gente ainda anda tateando.
Um me ensinou a ouvir o barulho por trás do barulho. Falava muito sobre tudo, mas cobrava o essencial. Voltava meus textos com duas palavras no topo: “cadê fonte?”. Aprendi que critério é afeto pelo leitor. Outro era pontual feito metrônomo: cortava advérbio como quem tira rebarba de peça, “direto, Victor, direto.” Com ele, descobri que verbo bom entrega, não enfeita.
Entre um e outro, fui entendendo que chefe não é quem manda: é quem aponta e fica por perto quando a gente erra o alvo. Teve quem me colocasse no evento fora do expediente e dissesse “vai lá e traz a história”; teve quem me desse a câmera e, depois, um lápis vermelho; teve quem dissesse “boa” quando eu precisava de força e “refaz” quando eu precisava de rumo. Referência boa é essa mistura de confiança e exigência: te empresta o crédito e te cobra o recibo.
A cidade também chefiou: ensinou que não existe pauta pequena para quem precisa da informação. Mas foram as pessoas (esses chefes-professores) que me mostraram que texto não é capricho; é serviço público. Que ética não é aula de sábado: é decisão de terça, 17h58. Que elogio sem parâmetro derruba e correção justa levanta.
Hoje, quando abro um documento em branco, procuro neles o primeiro leitor: “está claro?”, “está certo?”, “é necessário?”. É como se cada linha passasse por uma bancada invisível, somando um pouco da calma de um, da precisão do outro, do senso de missão de todos. E eu vou virando o tipo de profissional que eles foram para mim: o que puxa para cima sem puxar o tapete.
Se um dia me perguntarem qual curso me fez crescer, digo os nomes deles. Diplomas contam horas; referências contam quem você se torna. E, no fim, publicar é isso: devolver ao mundo um texto que carrega as vozes que te fizeram melhor, e tentar ser, para alguém, a boa referência que um dia te estendeu a mão.









