Em toda virada de ano, as pessoas costumam fazer promessas, a fim de substituir rotinas insalubres para o corpo e para o espírito por comportamentos saudáveis. Isso acontece no mundo todo, entre miseráveis e afortunados.
No bairro onde moro, há uma tradição: um grupo de pessoas se reúne no último dia do ano para confraternizar e declarar seus juramentos. Participa quem quiser, desde que leve bebida e carne. A cada ano nos reunimos na casa de um vizinho. Este ano, nos encontramos na pequenina casa do tio Belisco.
Ele não é meu tio, não é tio de ninguém, mas o chamamos assim porque, durante muitos anos, foi palhaço de circo. Pois bem, naquele dia, Dona Dulce jurou, beijando os indicadores cruzados, que no ano vindouro controlaria a língua: nem venenos, nem fofocas. Nunca mais a menina ou a santa sairiam de seus comentários.
Contudo, ninguém bota fé na promessa de Belina, pois ela vem sendo renovada há pelo menos dez anos. Dá para acreditar? Luca da padaria, aquele com obesidade mórbida, jurou de pé junto que não teria o mesmo peso até o final do ano. Ele, pelo menos, consegue cumprir a meta: ano passado, por exemplo, pesava 150 quilos e ficou com 149. Filomeno, o verdadeiro “um-sete-um” não assumido do bairro, disse que finalmente iria se regenerar.
Prometeu devolver cada centavo que tirou das pessoas, mas, para que isso seja possível, precisará de ajuda. Está procurando quem lhe empreste o dinheiro para cumprir a promessa. Alipia, aquela da rotina de quarenta aninhos, cansada de ouvir desaforos da vizinhança por ter a vida bancada pelos pais, saiu lá por quem mais afirmou que iria procurar emprego a partir do dia primeiro.
Mas, pelo que dizem por aí, ela continua procurando um meio de escapar da promessa. Anastácio, o filho de Dona Judite, vai combater a preguiça. Disse que, assim que o pé estiver curado, vai se matricular numa academia. O problema é que a lesão que só ele sente já dura três anos.
Já eu, sou um homem de palavra. Todos os anos, eu renovo a mesma promessa, e a cumpro: sempre prometo não prometer nada.
