“A vida é infinitamente mais rica que nossas invenções.” Fiódor Dostoiévski, o grande escritor russo, autor dessa frase, foi capaz de criar, a partir de tal premissa, obras monumentais, como “Crime e castigo” (1866) e “Os irmãos Karamazov (1880). Além dele, Rilke e Tolstói também nos orientam a olharmos para a vida na busca pela matéria-prima de nossos textos. Com isso, podemos afirmar que a vida real – muito mais do que o universo da imaginação – é um livro maravilhoso a ser escrito!
De posse desse material riquíssimo, cabe a cada escritor trabalhar com afinco para produzir “linguagem carregada de significado” – a definição para literatura dada pelo poeta americano Ezra Pound. O próprio desejo de produzir literatura, aliás, já revela esse cuidado, afinal, a intenção do autor é gerar conteúdo que mereça ser apreciado e compartilhado.
Nesse sentido, o primeiro passo é cuidar para que o discurso seja inteligível. Sobre isso, o filósofo Arthur Schopenhauer faz, por meio de uma comparação genial, uma observação certeira: “[…] os pensamentos obedecem à lei da gravidade, de modo que o caminho da cabeça para o papel é muito mais fácil do que o caminho do papel para a cabeça, então é preciso ajudá-los no segundo percurso com todos os meios à nossa disposição”.
Em outras palavras, para que nosso discurso seja compreendido por nossos leitores, não pode faltar clareza à explicitação de ideias e informações. Para esse fim, temos o auxílio dos sinais de pontuação – corretamente empregados – e um recurso indispensável: a cuidadosa escolha de palavras, que deve ser pautada, principalmente, pelo critério da precisão.
A esse respeito, o romancista francês Gustave Flaubert aconselha: “Medite (…) antes de escrever e ligue-se à palavra. Todo o talento de escrever não consiste senão na escolha das palavras. É a precisão que faz a força”.
A propósito, a exatidão vocabular foi abordada com mais profundidade no artigo intitulado “A procura da palavra perfeita”, em que cheguei a dizer que a escolha precisa é, inclusive, um gesto de gentileza do autor para com o leitor, o qual merece ser beneficiado com “todos os meios à nossa disposição” a fim de que possa entender os textos que lhe são ofertados.
Por falar nessa oferta, estive pensando: texto bom é aquele que revela, naturalmente, a nobre intenção que o gerou. Carlos Drummond de Andrade explicou, por exemplo, como isso deve ocorrer com a poesia: “Eu acho que a função do poeta é produzir emoção, é despertar no próximo um sentimento de beleza, de alegria, de tristeza – mas sobretudo um sentimento de comunhão com a vida”. Verdade e compromisso.
Em síntese, recordemos o percurso da abstração da ideia à construção do discurso: no olhar do autor sobre a vida, a centelha da criação – refinada pelos filtros da razão e da emoção; no desejo de produzir literatura, o cuidado para que a palavra traduza fielmente o pensamento, sem trazer riscos ao entendimento e sem ocultar a nobreza intrínseca ao gesto de transformar a matéria colhida pelos olhos do autor num discurso decifrável e palatável para os olhos do leitor.
Precisamos reconhecer: a vida com que fomos brindados merece o registro discursivo – “com tudo o que ela tem de sórdido e sublime”, como diria Vinicius de Moraes. Escrita naturalmente todos os dias, ela vai parar em folhas e telas porque é nosso jeito de eternizar o que é de natureza misteriosamente fugidia.
Diz a sabedoria popular que o coração não sente o que os olhos não veem. Para evitar perigo maior – o de, ao não sentir, não assimilar, não conhecer -, todos nós precisamos escrever.