
Altair Fernandes
Na edição de 20 de outubro de 1901 o jornal local Folha do Norte (extinto nos anos trintas) divulgou uma nota policial que deve ter sido o assunto do dia na pacata cidade de Pindamonhangaba daquele tempo. Com o intuito de proporcionar aos leitores uma comparação referente à crônica policial de hoje com relação àquele início de século XX, assim como o modus operandis dos ladrões naquele tempo, transcrevemos na íntegra o comentário do redator do referido periódico:
“Na noite de quinta para sexta-feira passada, audaciosos gatunos planejaram um roubo na casa comercial dos senhores Casemiro Braga & Cia. Ao amanhecer, via-se sobre a calçada o cofre de ferro em frente a uma porta que tinha sido arrombada, fato este, que como era natural, despertou a curiosidade pública.
Os gatunos, munidos de um ferro próprio para abrir portas, conhecido pelo nome de pé de cabra, forçaram uma porta do estabelecimento, o que não levaram a efeito. Frustrada essa tentativa criminosa, tomaram a deliberação de conduzir o pesado cofre para fora, o que dá a entender que a quadrilha era numerosa.
Lançando mão da força bruta e outros artifícios de ocasião, como seja forrar o soalho com peças de fazendas para evitar o barulho da queda do cofre, parece que tiveram que erguê-lo por cima do balcão para conseguirem deixá-lo na posição em que se achava na calçada.
A conjectura mais aceitável é que procuraram colocar o cofre em uma carroça que estava perto e como esta estivesse sem a agulha que prende a mesa sobre os varais, o objeto caiu produzindo grande barulho. Então despertado um negociante vizinho que acudiu para observar o que se passava, os audaciosos gatunos abandonaram a presa, lamentando talvez infrutífero trabalho empregado.
Apesar disso deram prejuízo aos proprietários do estabelecimento porque estragaram o cofre, diversas peças de fazenda e muitas garrafas de bebidas consumiram durante o longo trabalho. O fato teve lugar de uma hora da madruga em diante, porque a essa hora, afirmam as pessoas de confiança que por ali passaram, não havia o menor movimento na casa comercial arrombada.
Os empregados estavam dormindo dentro e não presenciaram pressentiram coisa alguma, que leva a cismar que há por aí perigosos narcotizadores. O que não resta dúvida é que temos na terra uma poderosa quadrilha disposta a matar para roubar. Não causará grande admiração se a polícia descobrir uma sociedade organizada com gatunos fora e gatunos da terra. Previnam-se o povo pra defender a sua vida e propriedade.
Na mesma noite em que os gatunos penetraram na casa dos senhores Casemiro Braga & Cia., também arrombaram a porta da confeitaria do Sr. Izidoro Ayala Rodrigues, subtraíram algum dinheiro e uma mesa que deixaram na rua que segue à Mombaça, isto depois de ser aberta e saqueada.
Ao povo compete auxiliar a polícia, o quanto possível, para descobrimento da perigosa quadrilha.”
Cachorro preto
Um mês depois do ocorrido em sua loja o senhor Casemiro Braga foi citado na seção livre da Folha do Norte em uma nota com o título “Cachorrada”. Alguém reclama que o mesmo estaria fazendo o trajeto de sua casa até o jornal acompanhado de um cachorro preto que avançava nos transeuntes, “mordendo e rasgando roupa de senhoras da vizinhança”.
Segundo o autor da reclamação, que assina sob o pseudônimo de “valente”, seu Casemiro estava se divertindo com tal ocorrência. Reclamando providências por parte das autoridades, concluía sua nota ressaltando: “O tempo não anda para brinquedo”.
O reclamante não levava em conta que o comerciante havia sido recentemente vítima de ladrões e que o cachorro preto era uma espécie de segurança canino.
“Ao Cavalo de Ferro”
No livro A Vida nos Balcões da Pequena Pindamonhangaba, de Eloyna Salgado Ribeiro (Gráfica Ativa, Taubaté-SP, 1997), vamos encontrar que a loja de seu Casemiro se chamava “Ao Cavalo de Ferro”, ficava no final da rua Bicudo Leme e era um dos armazéns atacadistas de tecidos, secos e molhados. Segundo a autora, nos armazéns como o de Casemiro, “os fazendeiros lotavam seus carros de bois com suas compras do mês, desde da carne seca até o querosene, desde o açúcar refinado até o remédio para bezerros e outros animais da roça”.
A autora relembra também em sua obra que “No ‘Ao Cavalo de Ferro’, seu Cardoso, ou Cardosinho, era o guarda-livros. Mas, às vezes ajudava Jorge Ananias e outros caixeiros no atendimento da freguesia.”