O perdão é um processo mental que visa a eliminação de qualquer ressentimento, raiva ou outro sentimento negativo sobre determinada pessoa ou si própria. O termo perdão é oriundo do latim, pois “PER-DONARE” significa “dar totalmente ou anular a dívida”, termo encontrado pela primeira vez em uma tradução latina de uma fábula de Esopo. Procuraremos enfocar, de maneira sucinta e rápida, como pensaram dois filósofos importantes do século XX: Jacques Derrida e Hannah Arendt.
O filósofo franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004, criador do método da desconstrução que promove a reflexão sobre a estrutura dos signos e um repensar sobre o agir humano) escreveu que “o perdão deveria permanecer sempre excepcional, colocando à prova o impossível, como se interrompesse o curso ordinário da temporalidade humana”. Nesse sentido, é importante destacar o que pontuou Hannah Arendt (1906-1975, filósofa política alemã de origem judaica, a qual escreveu sobre a banalidade do mal (nazismo), autora da obra “A Condição Humana” em que diferencia as três atividades do homem: trabalho, obra e ação), destacando que “é um elemento estrutural na esfera dos assuntos humanos, que os homens não possam perdoar aquilo que não podem punir, nem punir o imperdoável”. Esse “imperdoável” ela se referia aos crimes cometidos no regime nazista, que ela define como “massacre administrativo” e sua consequente produção em massa de cadáveres. Para ela, a “escala monstruosa dos crimes nazistas tornou inadequada qualquer punição em lei”. E, ela afirma então que o perdão existe apenas para aqueles que não sabem o que fazem e não para o mal intencional.
Nos tempos atuais, presenciamos a “mundialização do perdão”, fato que ocorre a partir da Segunda Guerra Mundial, quando os atos de arrependimento se multiplicaram no nosso planeta, basta observarmos as forças armadas chilenas confessando seus crimes, a Igreja Católica pedindo perdão pelos atos da Inquisição e o Japão rogando perdão aos coreanos e chineses. Nunca é tarde para lembrar que foi a partir de eventos extraordinários e chocantes que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial que se estabeleceu o conceito jurídico de crime contra a humanidade.
Quando fazemos reflexões sobre o perdão, observamos que ele não pertence à esfera política ou jurídica. Um fato é as igrejas ou governos pedindo perdão e concedendo anistia, e outro são pessoas pedindo perdão, pois só ela tem essa prerrogativa. Quando o perdão responde à sua vocação pura? Possivelmente se ele consegue perdoar o imperdoável, colocando-se acima do direito. Ele não pode ser banalizado, deve ser fiel à sua essência, vai além da temporalidade humana, jamais sendo condicional, visto que o perdão incondicional é concedido qualquer que seja a atitude do culpado, mesmo que ele não peça perdão ou se arrependa. Perdoa-se o culpado enquanto culpado. Como bem afirmou o citado filósofo Jacques Derrida: “o perdão tem a intenção de por fim a algo, dizer um ‘não’ ao acontecimento e fazer um aceno à liberdade”. Somente nós podemos perdoar em nosso nome, pelos outros devemos solicitar justiça.
Por fim, o poder de perdoar é sempre divino (O Cristo na cruz não falou: “Pai, perdoai porque eles não sabem o que fazem”?) em sua essência, devendo pois ser exercido pelo ser humano em consonância com a ética cristã. Atuar com ética cristã é sobretudo exercer o papel da defesa da vida, da autodeterminação dos povos, perdoar os que nos causam mal, e, sobretudo, ter a consciência de que aqui estamos para progredir sobretudo no sentido espiritual.