Era uma vez, um menino que sonhava ser bombeiro. Quando o pai jogava bituca de cigarro no quintal, ele abaixava o calçãozinho, tirava o “pipiu” pra fora e esguichava xixi até extinguir a brasa. A mãe o repreendia com brandura: “Meu filho, você, um menino tão bonito fazendo feiura? Xixi se faz no vaso sanitário, meu amorzinho.” Ele se justificava: “Mamãe, você não iria querer um incêndio no quintal, iria?”.
Na escola, se destacava somente na educação física; em cálculos matemáticos, ortografia e compreensão de textos, era sofrível. Suas notas não o capacitavam a serie seguinte, mas as professoras o empurravam com a barriga por considerá-lo digno de dó.
Trabalhou por vários anos no mercadinho do bairro, sem abandonar o sonho de ser bombeiro. Casou-se com a moça menos cobiçada da cidade.
No ano do nascimento do primeiro filho, aconteceu a instalação do corpo de bombeiros na cidade. Determinado a ingressar na corporação, a partir daquele dia passou a se preparar para os testes físicos, usando as madrugadas para correr, fazer abdominais, nadar no rio, escalar corda apenas com as mãos, caminhar sobre estruturas metálicas de uma construção abandonada. O esforço não foi em vão. Depois de algumas tentativas conseguiu ingressar na corporação.
Quando trabalhava no mercadinho conseguia dar fugidinhas para ver a esposa e o filho. Todavia, como bombeiro, o buraco era mais embaixo. Conseguia matar a saudade somente através do telefone.
Certa vez, comecinho de tarde, após encerrar, precipitadamente, uma ligação, ele se apressou:
— Comandante, há um grande incêndio na loja X. Não podemos perder tempo.
Em poucos minutos a viatura chegou. O comandante estranhou:
— Nenhum sinal de fumaça. Tem certeza que não foi um trote?
— Tenho sim, comandante. O incêndio é dentro da loja. Foi minha esposa quem me falou. Ela está lá dentro com o meu filho.
Ele não esperou o comandante ordenar o início da operação. Desesperadamente, entrou na loja com a mangueira aberta e despejou água pra todo lado. O gerente da loja, protegendo o rosto contra os jatos de água, apareceu enlouquecido.
— Vocês estão malucos? O que significa isso?
— Viemos apagar o incêndio.
— Incêndio? Que incêndio? Não tem incêndio nenhum.
Os olhos do comandante fuzilavam.
— Mas… Mas… Minha mulher me falou ao telefone que estava pegando fogo aqui.
A esposa apareceu com o filho ao colo, como se saíssem de um aquário. Disse a ele:
— Você tá louco?
— Eu? Você disse que…
— Disse que estava acontecendo uma grande queima… E você desligou o telefone na minha cara sem ouvir o resto da frase. Se tivesse esperado mais um pouquinho, teria ouvido que estava acontecendo uma grande queima… De estoque.
Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL – Academia Pindamonhangabense de Letra