Na casa de madeira e lata, pendurada no Morro do Esquecimento, morava uma família de quase nenhum recurso. O pai, que gastou o que tinha e o que não tinha com cachaça, deixou o mundo dos viventes em uma briga de bar. A mãe se virava lavando roupas para ganhar alguns minguados que mal davam para a sobrevivência. Maria cuidava dos três irmãos menores e vendia balas nos semáforos.
Era dezembro. Em algumas casas da vizinhança foram pendurados piscas-piscas de anos passados. Um toque inútil para afugentar a feiura da comunidade. A menina e os irmãos espiavam pela janela. Ela dizia que as luzinhas eram vaga-lumes e estrelinhas que Deus pendurava em varais a fim de anunciar a chegada de seu Filho, o Menino Jesus.
Na manhã da antevéspera de Natal, Maria escreveu, em nome de cada irmão, bilhetinhos destinados ao Papai Noel. Tiquinho queria uma violinha de brinquedo. Não se importava se viesse sem cordas, igual ao do Pardal. Ele também imitaria os acordes com a própria voz. Laurinha queria uma boneca. Podia ser de segunda mão, desde que não faltassem braços, olhos e cabelos. Seria o neném dela. Tiãozinho queria uma bola de futebol para, finalmente, ser aceito no time do morro. Os papelinhos foram colocados dentro de sapatos furados (os únicos que tinham) sobre a janela.
— Vou logo avisando. Papai Noel está bem velhinho. Às vezes se esquece de passar em alguma casa. E como tudo tá muito caro, ele não tem dinheiro para comprar presentes pra todo mundo. Se vocês ganharem, estarão entre os sortudos.
Durante o ano, com a anuência da mãe, Maria reservou alguns trocados da venda das balas para comprar os presentes. Foi no ferro-velho que encontrou todos os brinquedos. Seu Juca fez um bom desconto. Sobrou até para comprar presente para a mãe: o vestido de flores amarelas que ela tanto queria, lá no brechó da Chica.
Na véspera de Natal, a mãe saiu cedinho e voltou quase na hora do almoço. Voltou chorando, revoltada. Não conseguiu receber de ninguém.
— Estão pensando que sou trouxa só porque sou lavadeira? Cansei! Pra essa gente não lavo mais!
Sem dinheiro, teriam que dividir entre almoço e jantar o resto de macarrão de anteontem.
Quando a noite chegou, assim que os irmãozinhos dormiram, Maria abriu a janela e olhou o céu estrelado. De seus olhos corriam lágrimas. Vida miserável. Vida injusta. Embora soubesse que o velhinho do Natal era uma invenção comercial, resolveu escrever um pedido também:
“Papai Noel, não quero roupa nem brinquedo. Em vez dessas bobagens, peço alimento para meus irmãozinhos e para minha mãezinha”.