No morro, em uma casa de madeira e lata espremida entre outras iguais, a esfacelada família sobrevivia com migalhas de esperança. O pai havia morrido na tentativa de evitar o assalto na quitanda. A mãe desapareceu, enrabichada no caminhoneiro galego. Coube à filha de treze anos assumir a maternidade dos três irmãos.
Sendo assim, todos os dias, debaixo de sol ou chuva, a adolescente vendia balas nos semáforos. O dinheiro que arrecadava era minguado e nem sempre dava para enganar a fome. Muitas vezes deixava de comer para não faltar aos irmãozinhos. Se aqueles que passassem por ela se comiserassem, a sociedade poderia ser um pouco justa. Mas, a maioria nem abria o vidro do veículo. Alguns compravam e não pagavam. Outros a insultavam, chamando-a de mendiga, trapinho encardido, bandidinha. Muitas vezes chorou, ferida pelo preconceito. Mas aprendeu a se ensurdecer.
A uma semana do Natal, ela escrevera o pedido de cada irmão em papeizinhos que foram colocados junto ao presépio de gesso, estatuetas que encontrara quebradas em um terreno baldio. Um dos irmãos queria bola de futebol; a irmã, boneca bem bonita; e, o outro, caminhãozinho baú. Naquele ano, Papai Noel teria trabalho, muito trabalho para atender àqueles pedidos. Como ela sabia que Papai Noel era uma invencionice comercial, continuou trabalhando.
No sinal vermelho, pendurava fita de balas nos retrovisores e propagandeava:
— Faça uma família feliz neste Natal. Compre balinhas recheadas de amor. Deus abençoe você!
A mulher do carro importado estacionou e caminhou até ela.
— Oi, mocinha. Está escurecendo. Não acha perigoso ficar perambulando por aqui?
A menina contou os motivos e a mulher chorou.
— Eu preciso ir. Mas antes, me dê seu endereço. Quero ajudar vocês – Abriu a bolsa, tirou algumas cédulas de cem e as deu à menina.
— Feliz Natal. Jesus a abençoe.
E foi embora.
Anestesiada pela felicidade, enquanto guardava o dinheiro suficiente para comprar os presentes dos irmãos e muita comida, o andarilho se aproximou.
— Perdeu! Perdeu! Passe pra cá tudo que ela te deu!
Ela tentou fugir. Ele era forte. Depois de uma luta covarde, ela foi embora chorando, sem o dinheiro. Quando chegou, os irmãos estavam dormindo. Ela pegou caneta, riscou o pedido dos irmãos e escreveu:
— Papai Noel, em vez de brinquedos, por favor, nos traga pratos de comida.