Década de setenta. Nos fins de semana à noite, a juventude se reunia na praça Dr. Emílio Ribas, mais conhecida por praça São Benedito devido à igreja ao lado. Assim que a missa terminava, o serviço de alto-falante começava a transmitir músicas românticas, criando um ambiente favorável ao flerte.
Pelas passarelas que circundavam o chafariz, as moças caminhavam exalando charme, e os rapazes, parados, retribuíam com olhares sedutores. Quando a reciprocidade acontecia, o casal se formava para beijos, abraços e mais sei-lá-o-que. O único recurso dos mais tímidos era o oferecimento musical. Por um valor simbólico, podia escolher uma música e oferecê-la à moça ou ao rapaz, de forma anônima, mas com algumas referências.
“Essa música vai para o rapaz loiro de camisa xadrez, calça marrom boca de sino e jaqueta de couro. Quem oferece é a moça apaixonada de blusa branca, casaco rosa e laço na cabeça… Então, para você, rapaz loiro… Elvis Presley com… Always on my mind”.
Frequentei algumas vezes essa praça. Jamais me esquecerei da noite em que lá estive com o meu amigo Guto e ouvi: “A próxima música é dedicada à ruiva de olhos azuis. Quem oferece é o rapaz de camisa cinza e calça preta… Essa é pra você, ruivinha… Com o grupo italiano I Santo California, a música… Torneró”.
Ruiva de olhos azuis só havia uma: Paty, a moça mais linda da cidade, a moça que andava com o nariz rasgando o céu, uma genuína filhinha de papai. Nenhum rapaz se atrevia a se aproximar dela. Ninguém queria levar um fora. Entretanto, naquela noite, alguém ousou. Por isso, Guto riu e disse: — Pena que o Dudu ainda não chegou. Ele não vai acreditar quando eu contar.
— Ele disse que ia se atrasar. Daqui a pouco ele apare… Guto não me deixou concluir a frase. Cutucou-me e sussurrou: “Ela está vindo”.
— Ela quem?
— A ruiva. Fale baixo.
Com passos imperiais ela se aproximou e, com toda a sisudez do mundo, perguntou:
— Foi você quem dedicou essa música a mim?
— E… Eu?
E me olhou da cabeça aos pés. Eu, que sou distraído desde nascença, somente naquele momento percebi que estava com camisa cinza e calça preta. Coincidência ou alguém querendo me sacanear? Ela insistiu:
— Foi você?
— E… Eu…
Ela posicionou o indicador pertinho do meu nariz e falou:
— Pois fique sabendo que eu… A-do-rei.
Sem dizer mais nada ela segurou em minha mão e saímos dali para um lugar com alguma privacidade. Depois de poucas palavras e muitas trocas de beijo, constatei que a fama de chata era exagero.
A partir daquela noite, o Dudu nunca mais falou comigo. Como eu poderia saber que ele também usaria camisa cinza e calça preta?