Um fato que tem atraído a atenção das pessoas são os denominados lapsos de linguagem (às vezes incômodos, às vezes constrangedores) que acontecem com muita frequência. Quando o autor desses deslizes é uma pessoa pública, fatalmente esse episódio vai parar na mídia, em especial, na TV. Quem não se lembra das gafes linguísticas do Ex-Presidente dos Estados Unidos – George Bush? Evoco a sua Secretária de Estado, a famosa e poderosa Condoleezza Rice, a primeira Afro-Americana a assumir esse importante posto, a qual ao responder a um jornalista sobre projetos dos E.U.A. para o Iraque, ela falou: “Você deve perguntar ao meu marido, quer dizer, o Presidente”. Foi um assombro: ela era solteira e não havia qualquer relacionamento amoroso com Bush.
Essa troca de palavras, ou às vezes inversão de sílabas nos mostra como a linguagem se estrutura muito além das nossas racionais intenções. Historicamente, os psicólogos e psiquiatras tentam explicar o que acontece. Numa pesquisa publicada no início do século XX pelo filólogo austríaco Rudolf Meringer (1859-1931) e o psiquiatra alemão Karl Meyer – “Erros na Fala e na Leitura: Um Estudo Psicológico” – tenta determinar a existência de mecanismos psíquicos associados a esse impressionante e corriqueiro fenômeno.
Entretanto, é importante evocar que quem abordou os lapsos com mais propriedade e profundidade foi o pai da psicanálise – Sigmund Freud – na sua obra “Psicopatologia da Vida Cotidiana” (1902). Para ele, os lapsos de memória seriam confissões involuntárias de um conflito interior removido da consciência. Tal conflito tenta se esconder e, em determinado momento, não consegue e a pessoa se trai de diversas maneiras. Aí, acontecem os tais lapsos. Por vezes, não nos referimos a um tio como se fosse pai?
Freud foi enfático: Não há consenso sobre as interpretações psicológicas e psicanalíticas desse fato. Convém salientar que outras correntes psicanalíticas afirmam que as explicações de Freud explicam um pequeno número de casos. Outro grupo de estudiosos do assunto explica que esses “erros” acontecem devido à complexidade cognitiva da linguagem. Essa abordagem científica tenta mostrar que os lapsos revelam mais a estrutura e o uso da linguagem do que as nossas intenções inconscientes, parecendo ser mais reflexos do mecanismo de produção da linguagem.
O certo é que se trata de um assunto sobre o qual as pesquisas não param. Cito aqui os pacientes estudos da linguista americana Victoria Fromkin (1923-2000), da Universidade de Los Angeles, na Califórnia, que originaram sua obra: “Os Lapsos na Fala e na Escrita”, com coleta de milhares de exemplos. Segundo esse estudo, os lapsos verbais seguem regras idênticas. Por exemplo: troca de palavras (“sacuda o pires e lave o guardanapo”), ocorrendo em palavras da mesma categoria gramatical (“pires” e “guardanapo” são substantivos), ou da mesma categoria semântica (“rato” por “gato”). A respeito disso, evoco um fato constrangedor: fui a um velório de uma pessoa conhecida, quando uma senhora amiga da falecida abraçou o viúvo e falou “meus parabéns” ao invés de “meus pêsames”. Simplesmente, foi triste, mas compreensível. Dessa maneira, esses enganos ou troca de palavras ou fonemas é mais comum do que pensamos! Todo cuidado é pouco! Se acontecer, paciência! Somos todos humanos!