Sabe aquele momento em que você sente a areia quente sob os pés, mas sabe que está tudo bem, porque está indo em direção ao mar? É aquela sensação angustiante que praticamente qualquer pessoa que more em um país tropical já experimentou: a cada passo o calor aumenta, assim como a sensação de que as solas podem queimar a qualquer momento. E a tudo isso se soma aquela dúvida cruel: volto para a segurança do guarda-sol ou continuo, corajosa e resolutamente, até o grandioso triunfo das primeiras ondas dando as boas-vindas àquele outro universo, tão refrescante e prazeroso, cheio de vida marinha, sal e profundezas abissais? Lembro-me de que, quando criança, eu acabava optando pela segunda alternativa e seguia em frente, pois tinha a sensação de que aquela era basicamente uma angústia com prazo de validade, e isso tornava o percurso por aquele “deserto do Saara” um pouco menos sofrido. Quando sabemos que o fim do martírio nos espera logo ali, tudo fica mais fácil – é como correr exaustivamente por um longo trecho, mas com a linha de chegada à vista.
Confesso que agora, já adulta, quase não sinto mais esse tipo de angústia com prazo de validade. Ultimamente, parece-me que só às crianças é permitida tal graça. Desagrados como o calor, o cansaço, o tédio… Enfim, todos esses aporrinhamentos são coisas que vêm e vão. De alguma forma muito intuitiva, a criança sabe que em algum momento as coisas mudarão e o alívio virá – às vezes à custa de uma birra ou de um esperneio, mas virá.
À vida adulta, meus amigos, restam as angústias sem garantia de fim. O trânsito parou? Nem o GPS poderá dizer com exatidão quando e se aquele martírio em quatro rodas vai melhorar. O filho pegou uma virose? A conta bancária entrou no vermelho? A internet caiu? Pois bem, o jeito é esperar e torcer para que as coisas melhorem o mais rápido possível. “Aceita, que dói menos”, é o que mais se diz e se ouve por aí.
Isso tudo me veio à mente porque dia desses ouvi, num desses momentos de conversa jogada fora na fila do caixa, uma mulher de seus quarenta e poucos anos declamando aquilo que mais tarde eu viria a conhecer como a “Oração da serenidade”: “Senhor, dai-me café para mudar as coisas que posso mudar e vinho para aceitar as que não posso”. Ela dizia aquilo rindo muito de si mesma, enquanto esperava a caixa finalizar os cálculos no computador e fazer a cobrança (aparentemente, o valor da compra era alto e o dinheiro, curto). E então foi que uma senhorinha muito simpática, que estava próxima e que ouvira a conversa, subitamente completou a frase: “e sabedoria para diferenciar uma da outra”.
Quem diria, leitores. A sabedoria pode mesmo surgir em momentos inesperados, como na fila do caixa de uma loja abarrotada de gente. Sim, qualquer um sabe que de nada serve o desespero diante de coisas que não podem ser controladas, e que é importante agir diante daquilo que pode e deve ser mudado. Mas saber a diferença entre uma coisa e outra é o que pode determinar se chegaremos ou não às primeiras ondas da praia e à tão desejada serenidade.








