Jornal Tribuna do Norte

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

O Tesouro no galinheiro

Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL – Academia Pindamonhangabense de Letra

Sonhei com meu avô descendente de italianos. Era ele um roceiro ríspido, de olhos azuis glaciais e comportamentos imperdoáveis como guardar queijo na cristaleira e proibir minha avó de comê-lo ou dividi-lo com os onze filhos. Quando sentia o cheiro de desobediências, a vara de marmelo autografava lombos.

Sonhei com meu avô deteriorado, quase inamovível na cama do quarto com fedor de urina. Toda vez que precisava do penico, esbarrava nele e ensopava o chão. Minha avó não dava conta de manter o ambiente limpo.

Sonhei que estava sentado ao lado da cama, observando aquele ser castigado pela colheita do que plantara. A respiração lutava para reanimar o diafragma. As pálpebras raramente se descortinavam. Sem encontrar naquele homem possível salvação, chorei. Chorei sem saber quais métodos a vida utilizara para torná-lo cruel. Chorei por presumir que tivera a infância desprovida de afetos.

No sonho, enquanto eu enxugava as lágrimas, ele abriu os olhos e me pediu para abrir a janela. Era noite rendilhada de estrelas. Com dificuldade, gesticulou para que me sentasse. Sentado eu o ouvi gemer baixinho. Perguntei se sentia dores. Disse-me que eram poucas pelo mal que fizera. Levantei-me para buscar analgésico. Ele recusou dizendo que tinha pouco tempo para se confessar. Contou:

“Meu pai veio ganhar a vida no Brasil. Trabalhou na roça, juntou dinheiro e comprou um pedacinho de terra… Não havia conforto no casebre onde cresci alimentado pela miséria. Prometi a mim mesmo que faria diferente. Fugi de casa ainda adolescente para trabalhar em fazendas. Economizei cada centavo até comprar meu primeiro pedaço de terra, onde construí uma casa de pau a pique (respiração ofegante). Foi num domingo que, depois de duas doses de cachaça no bar da esquina, encontrei a moça caminhando descalça pela rua. Trocamos olhares e me apaixonei. Sem rodeios prometi calçados a ela, a fim de reencontrá-la. Casei com ela meses depois (suspiros). Construí casinhas na terra que comprei. Receando eventual penúria, por muitos anos, guardei os alugueres (respiração ofegante). Nessa cama, passo dias e dias pensando em quem fui (pausa contrita). Fui extremamente avarento, fui um ser desprezível, marido e pai violento. Eu queria enriquecer. Guardei dinheiro a vida inteira e hoje percebo como fui estúpido (lágrimas). Quero que pegue essa chave. No galinheiro, debaixo do poleiro, existe uma tampa de madeira coberta de titicas (risos). Levante-a. Encontrará um baú e, dentro dele, todo o dinheiro que guardei. É seu com uma condição: jamais se esqueça de que a verdadeira riqueza está na simplicidade, nas coisas de Deus. Para que querer diamantes se o céu nos oferece estrelas? (apontou o céu).

Naquele momento ele fechou os olhos e viajou para a eternidade. Quando acordei, fui até o galinheiro e encontrei o baú. A chave ficou no sonho. Abri o tesouro com pé de cabra. Eram dinheiros que não valiam mais.

    Proseando

    cmcmultimidia
loader-image
Pindamonhangaba, BR
13:08, pm, dezembro 21, 2024
temperature icon 28°C
nublado
Humidity 68 %
Wind Gust: 7 Km/h

Notícias relacionadas

Edital 10200

Edital 10200

20 de dezembro de 2024
Edição 10200

Edição 10200

20 de dezembro de 2024
Encerramento com chave de ouro

Encerramento com chave de ouro

20 de dezembro de 2024

Categorias

Redes Sociais