“O menino terrível”! Era por essa alcunha que todos conheciam o ruivinho sardento de dez anos. Briguento e boca suja, havia sido expulso de algumas escolas. Desta vez estava suspenso por dez dias.
Esgotadas todas as tentativas disciplinares, os pais mandaram-no cumprir a pena em casa dos avós, na esperança de que o capitão reformado conseguisse domesticá-lo. Logo no primeiro dia, alegando que o calor estava insuportável, o ruivinho colocou todos os relógios de parede, despertadores e de pulso dentro da geladeira.
— É para esfriar o tempo — justificou-se gargalhando.
O avô quase lhe arrancou as orelhas. Sem derramar um pingo de lágrima, o menino se trancou no quarto com o intuito de elaborar vingança.
Os dias seguintes transcorreram sem nenhuma peraltice. A avó, entusiasmada com o comportamento exemplar, ligou para os pais do ruivinho, garantindo que o menino mudara da água para o vinho.
— Parece um anjo.
Ao aurorescer da antevéspera do fim da pena, o avô acordou; sentou-se na cama, calçou os chinelos e enfiou a mão no copo com água sobre a mesinha de cabeceira para resgatar a dentadura. O movimento sonolento derrubou o recipiente. Resmungando chulices, ele se abaixou para procurar a prótese. Não a encontrou. Impaciente, acordou a mulher e a fez engatinhar com ele para procurar os dentes postiços. Nenhum sinal.
De boca murcha, dirigiu-se à cozinha para desjejuar-se e ouviu falatório provindo da rua. Foi averiguar e viu o aglomerado diante de sua casa. O neto estava lá.
O capitão marchou até o local e descobriu que o menino havia colocado objetos da casa para vender sobre a calçada. Enfurecido, foi desaposentar a pistola. Com a arma em punho, afugentou a multidão e agarrou o neto pela orelha.
— Quem o autorizou a vender os meus pertences, pirralho?
O menino, desafiando a dor, disse:
— Ia fazer um bom dinheiro vendendo tanta porcaria. Com o dinheiro o senhor poderia se modernizar e ainda me gratificar. Devia me agradecer.
— Porcaria é você, moleque travesso! São objetos de valor inestimável. Saiba que nada de minha casa está à venda. Nunca mais pegue o que não é seu! Vou conferir item por item. Se você vendeu alguma coisa, vai se arrepender pelo resto de sua vida.
— Pode conferir. Não deu tempo.
Realmente não faltava nada. Mas…
— Por acaso você viu a minha dentadura?
O menino apontou para o mendigo do outro lado da calçada, roendo um pedaço de pão duro.
— Eu emprestei pra ele.