Nunca foi carnavalesco. Abominava as substâncias alucinógenas, a vulgarização do corpo e, principalmente, o ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo. Nunca foi carnavalesco. Mas, naquele ano aconteceria um baile que premiava, com dinheiro gordo, a fantasia mais exuberante. Ele que era extremamente econômico, a ponto de viver de misérias para poder comprar o imóvel dos sonhos, decidiu participar. Pesquisou trajes de reis, escolheu um modelo e foi procurar a tia costureira.
— Nunca fiz um traje tão luxuoso. Não sei se consigo.
— Consegue sim, tia. A senhora não foi costureira do Clodovil?
— Fui nada. Inventei essa história para fazer clientela.
— Sei… Mas, então, vai costurar pra mim ou não?
— Posso até tentar. Mas já aviso que o material vai custar caro.
— Não se preocupe. Aqui estão todas as minhas economias.
— Vai investir tudo numa fantasia? E vai viver do quê? Você mesmo diz que a aposentadoria mal paga os seus remédios.
— Já pensei nisso, tia. Um dia como pão com água. No outro, água com pão. Talvez alguma tia caridosa me ofereça um prato de comida… Quem sabe, né?
Quando disse que lhe daria uma parte da premiação, ela aceitou o desafio; e começou: tira medida, corta pano, alinhava, costura, arremata, adereça. Foram dias, noites e madrugadas no ofício. A poucas horas do baile ele apareceu com coroa na cabeça, e fez a última prova.
— Tia do céu! Ficou perfeito! O primeiro prêmio já está no papo.
Beijou a tia e #partiu prêmio. Sem dinheiro para pagar transporte, resolveu ir a pé ao clube. No trajeto deu de cara com o Dobermann que havia escapado. Ele parou. O cão parou. Ele correu, o cão correu e pulou sobre ele. A coroa escapou, saltitou pela rua e foi atropelada. O dono do cão chegou e evitou a tragédia, mas não os rasgões da fantasia. Uma mulher que passava recuperou a coroa e devolveu a ele. O pavor foi tão grande que a fantasia ficou urinada. Desiludido, sentou-se na calçada, resmungando:
— Dinheiro jogado fora. Começou a chover forte. Os pingos da chuva e as lágrimas se misturavam. Em pouco tempo o lixo tomou conta das sarjetas. Um veículo em alta velocidade passou e jogou sujeira nele. Ele se levantava para ir embora quando um amigo, que também ia ao baile, apareceu. “O que aconteceu?” Ele contou. O amigo segurou-o pelo braço e disse: “Bola pra frente. A vida é curta. Vamos curtir. Lá, no clube a gente bebe umas e você esquece tudo isso. Eu pago”. Ele, que nunca havia bebido, encheu a cara, encostou-se a um canto do clube e dormiu. Só no dia seguinte ficou sabendo que o primeiro prêmio foi concedido à fantasia do Rei Pobre. A dele.