Dedicado aos meus amigos Altair Fernandes e Cláudio Leyria
Por mais que o tempo insista, não consegue afrouxar ou desfazer o laço do verdadeiro sentimento. A amizade genuína é um desses laços.
O poeta havia desempoeirado a bicicleta e pedalado por uma estrada do passado. A estrada seca, outrora povoada por buracos e pedras, estava nivelada pelo asfalto. Com os braços apoiados no guarda-corpo de uma ponte rural, o poeta apreciava as águas meninas escorregando nas pedras do rio, e os peixes bailando na correnteza. Enquanto se deleitava, um passarinho amarelo pousou ao lado dele e gorjeou:
— Você se lembra de quando pedalou até Redenção da Serra com seu amigo?
Ele virou-se surpreso.
— O quê?
— Já se esqueceu? Aquele amanhecer de nuvens escuras prometia temporal. Por conta disso, havia ainda certo receio, mas resolveram que aquele era o dia. O poeta arregalou os olhos e coçou a cabeça.
— Sim, eu me lembro… Mas como você sabe disso?
— Sei de muitas coisas. Sei também que no caminho a bicicleta dele apresentou problemas e você, mais acostumado a mexer com bicicletas, conseguiu colocá-la em condições de concluir a aventura ciclística. Sei que você levou água de torneira em uma garrafinha de água de coco. Sei também que ao chegarem naquela cidade, seu amigo manifestou desejo de lá pernoitar, receando retorno diluviano. Sei que você o convenceu a voltar e, por isso, receberam, ao fim do trajeto, mansas bênçãos das nuvens.
O poeta fechou os olhos e chacoalhou a cabeça.
— Será que estou delirando debaixo desse sol vulcânico?
O passarinho balançou a cabecinha e disse:
— Não. Não está.
— Se não estou, me diga: quem é você?
— As pessoas me conhecem por… Saudade.
Naquele instante, o passarinho abriu as asas, mergulhou da ponte e, ao tocar as águas do rio, se transformou num peixinho. O poeta tentava entender aquele surrealismo quando um veículo estacionou sobre a ponte. Dele saiu o homem grisalho, de óculos escuros. O poeta não percebeu a aproximação.
— Boa tarde. Do jeito que você olha esse rio, chego a acreditar que deve haver uma sereiazinha nele.
Sem dizer nada, o poeta riu e continuou de olhos mergulhados no rio.
— Você conversou com algum passarinho amarelo?
Aquela interrogação sacudiu o poeta, que volveu os olhos ao inquiridor.
— Como você sabe?
O homem sorriu, tirou os óculos escuros e abriu os braços para o laço fraternal.
— O passarinho amarelo, cujo nome é Saudade, também falou comigo e disse que eu encontraria você nessa ponte. Não está me reconhecendo, Altér?
Foi então que o poeta reconheceu o homem. Era o seu amigo das pedaladas nas manhãs domingueiras; seu amigo escritor; seu grande amigo Cráudio.