Nove horas de sacolejos. Desceu moído do transporte necessitando esvaziar a bexiga. O banheiro do ônibus estava entupido e irrespirável. Do outro lado da rua viu o “Armazém do Zé Tortinho”. Atravessou o chão barrento e entrou. O homem de chapéu encardido, bigode espesso, com cigarrinho de palha no canto da boca, atendeu:
— Tarde.
— Boa tarde. Posso usar o banheiro?
— Pode sim. Pode não.
— Como assim? Posso ou não posso?
— Se comprar alguma coisa, pode. Se não, não pode.
Olhou mercadorias espalhadas pelo balcão imundo e comprou meia dúzia de bananas.
— Agora posso usar o banheiro?
— Pode não.
— Como não? A condição não era comprar alguma mercadoria? Comprei. Por que não posso? Necessito urinar. Onde fica o banheiro?
O dono do armazém baforou sossego e cuspiu no chão.
— Aqui não tem banheiro. Banheiro só na casa ao lado.
O viajor uniu e comprimiu as mãos abaixo da cintura, receando o deságue.
— O senhor quer que eu use o banheiro do vizinho?
— Vizinho, não. É a minha casa. Bate lá e diz pra minha patroa que você tá querendo mijar. E leva a chave do banheiro. Pega aqui.
Na casa ao lado, a velhinha de camisola transparente atendeu, escancarando a banguelice.
— Tarde.
Ele mostrou a chave.
— Seu marido disse pra eu usar o banheiro daqui.
— Meu marido?
— Sim. O Zé Tortinho do armazém. Seu marido.
Ela riu.
— Não é meu marido não – suspirou – Bem que eu queria. A casa dele fica do outro lado do armazém. Mas já que o bonitão está aqui, entra pra tomar um cafezinho comigo. Tem pão de queijo e broa. Pode entrar. Estou um desperdício. Aproveita.
Ela abriu o portão esticando o braço para puxá-lo. Ele pensou: “Deus me livre e guarde”. Quando ela disse “gostoso” ele apressou os passos na direção contrária.
Na outra casa a ruiva rechonchuda e sardenta apareceu no portão. Após explicar e implorar para usar o banheiro, ela o deixou entrar e apontou para o cubículo no quintal.
— É lá. São cinco dinheiros.
— Tem que pagar?
— Só se quiser fazer xixi.
— O Zé Tortinho me disse que bastava comprar alguma coisa.
— Ele nunca explica direito. Comprar é pra pegar a chave. Pra usar o banheiro são cinco dinheiros.
Ele tentou contestar, mas não houve tempo. A cachoeirinha de ureia, ácido úrico e sal se cansou de tanto blá-blá-blá.