Ele morava no canto da sala, sobre almofadas felpudas e coloridas. De vez em quando saía para se alimentar e espiar o jardim, mas não tinha mais disposição para correr atrás de passarinhos e borboletas, tampouco para assustar roedores.
Ela passava o dia tricotando, aconchegada na cadeira de balanço. Se quisesse, poderia comercializar toda a produção de casaquinhos, meinhas, macacõezinhos e cachecóis. Mas isso nem passava pela sua cabeça, pois cada peça continha fios de amor dedicados aos netos.
O gatinho possuía uma centena de filhos espalhados pela vida, com endereço desconhecido. Os gatos são assim: se tornam adultos e saem para desbravar o mundo.
A velhinha tinha uma família numericamente modesta: dois filhos, quatro netos e uma bisneta. Havia meses que nenhum deles dava sinal de vida.
Nos momentos em que descansava as mãos do tricô, a velhinha encompridava os olhos até o telefone fixo, empoeirado na estante da sala. Ela não se lembrava da última vez que alguém ligou e nem quem tinha sido. Ela gostaria de ligar para os filhos, mas não se lembrava dos números. Restava-lhe apenas esperar o telefone perder a mudez.
Assim ela vivia. E assim o gato vivia. Assim passava a noite. E assim passava o dia; todas as frações do tempo embrulhadas por mesmices.
O cotidiano insípido, inodoro e incolor foi minando as resistências. Refeições se tornaram minúsculas e espaçadas. Os banhos foram postergados para dia nenhum.
Os corpos foram se debilitando com rapidez. O gato, agora esquelético, se ajeitou nas almofadas, fechou os olhos e dormiu pela última vez.
As mãos da velhinha não tinham mais força para segurarem as agulhas. Fragilizada, encostou a cabeça no espaldar da cadeira de balanço, fechou os olhos e dormiu o mesmo sono do gato.
Por negligência do destino, naquele mesmo dia, os filhos apareceram. Ao entrarem na casa viram a mãe inerte na cadeira de balanço.
Um deles, com os olhos acachoeirados, ajoelhou-se aos pés dela e gritou: “Por que a senhora não atendeu aos meus telefonemas, mamãe? Por quê? Por quê?”. O outro se lembrou de que cortara o cabo do telefone para que a mãe não o aborrecesse com as carências.
Enquanto um se desfazia em lágrimas, o punhal do remorso penetrou no coração do outro, que tombou, se juntando à mãe e ao gato.









