O luto experienciado em decorrência da morte de um ente querido representa uma vivência dura e profunda de perda e, possivelmente, nos conduz à evocação da nossa condição mortal, bem como dos aspectos da inevitabilidade e irreversibilidade da morte. O filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855), considerado o precursor do Existencialismo, o colocou como um sofrimento que nos conduz a compreender a nós mesmos e nossa relação com o mundo. Essa dor aguda pode ser uma oportunidade para uma compreensão mais profunda da vida.
Por outro lado, o psicanalista suíço Sigmund Freud (1856-1939) nos afirma que se trata de “um processo doloroso com profunda tristeza e possível afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido e a perda de interesse no mundo externo”. Entretanto, o importante historiador francês Philippe Ariès (1914-1984) chama a nossa atenção para um fato importante: é cada vez mais perceptível o quanto o mundo ocidental evita a angústia, o sofrimento e busca a neutralização do desconforto e da dor psíquica. Dessa maneira, na visão de Ariès, nos tempos modernos procura-se evitar e silenciar a dor psíquica (basta ver a imensa quantidade de medicamentos disponíveis no mercado) e até a adoção de práticas sociais, por exemplo, a imposição de volta ao trabalho após sete dias da morte do ente querido, como se houvesse um tempo delimitado para a resolução do processo. Desde quando há um tempo determinado para se completar a aceitação do fim do outro e até de si mesmo?
Questões como a transitoriedade da vida e a angústia, inerentes à morte e ao morrer, são frequentemente evitadas. Para a mídia, o que interessa é o sensacionalismo das grandes tragédias. Reflexões sobre a morte, sua verdade e existência irrefutável, bem como a aceitação da finitude do outro e de si mesmo, nem pensar! Dessa maneira, constatamos, com tristeza, que vivemos numa sociedade do imediatismo, de baixa tolerância às expressões vinculadas às perdas, não permitindo aos enlutados viver e ressignificar a dor da perda.
Nunca é tarde para lembrar o que nos aponta o psiquiatra inglês Colin Murray Parkes, um dos maiores especialistas do mundo no assunto em pauta, o qual afirma que “o luto é o preço pago pelo amor, por uma vida feliz, sendo uma importante transição e um momento para recriar a nossa própria história”. A vivência do luto e seu tempo são variáveis, sendo que, para alguns estudiosos, nunca termina, embora isso seja menos frequente. Tudo está na dependência das circunstâncias da perda e do vínculo com aquele que faleceu.
O certo é que permanecem os sentimentos de solidão e vazio. Um fato é inconteste: acontece a mudança abrupta na relação do EU-TU, com a supressão física do TU, fato que origina desalento e dor, visto que é na presença do outro que nos tornamos visíveis a nós mesmos. Somos parte uns dos outros e o nosso sentido existencial está atrelado ao sentido do que somos e podemos ser na relação com alguém. Assim, praticar a compaixão (como sempre afirmou o Dalai Lama em suas falas pelo mundo) para quem vive esse processo é essencial para nos afirmarmos como seres humanos, a fim de que essas pessoas consigam vivenciar o fenômeno impactante do luto e, quem sabe, superá-lo ou manter uma coexistência com o outro que já não existe corporalmente, mas é presença-ausência embalada pelo perfume da saudade.