Naquela tarde chuvosa e sem grandes expectativas, entrei em uma loja de objetos de decoração apenas para dar uma olhada nas novidades. Passeava distraído entre vasos e luminárias, quando, em um canto quase escondido, lá estava ela: uma galinha-d’angola.
Não era uma galinha de verdade, claro. Era de cerâmica, pintada com tanto esmero que parecia quase viva. Suas penas, em um tom acinzentado pontuado por manchas brancas, captavam a luz de maneira delicada, quase mágica. Mas o que realmente me paralisou foram os olhos. Pequenos, profundos, brilhavam com uma intensidade que parecia conter uma história inteira.
Algo naqueles olhos me tocou. A galinha-d’angola de cerâmica parecia me observar em silêncio, como se esperasse por algo, como se guardasse segredos que só alguém disposto a ouvir pudesse entender. Naquele instante, fui transportado para a infância, para o sítio do titio, onde um animal sempre me fascinava: a galinha-d’angola de verdade.
Ela era diferente das outras aves do galinheiro. Sua postura altiva e o caminhar elegante a faziam parecer uma verdadeira rainha, vestindo um manto de penas negras salpicadas de branco. Não se misturava com as galinhas comuns. Sua crista esquisita e aquele grito peculiar, que soava como “Tô fraco, tô fraco”, me faziam rir e parar para observá-la, intrigado.
Quando ela andava por perto, era como se o tempo desacelerasse, permitindo que cada momento se estendesse um pouco mais. Hoje, olhando para a escultura de cerâmica na loja, senti a presença daquela ave que tantas vezes cruzou os meus dias de criança. A galinha-d’angola era, para mim, um símbolo de resistência e mistério, e ali estava ela novamente, agora como um objeto de decoração, mas carregando a mesma força.
Não hesitei: comprei a galinha.
Ao sair da loja com ela nas mãos, tive a sensação de que, de alguma forma, ela também havia me escolhido. Agora, repousa na minha estante, em lugar de destaque, com seus olhos sábios e atentos, como se guardasse os segredos de um tempo que não volta mais.
Na infância, talvez eu não tenha percebido o quanto aprendi com a galinha-d’angola. A calma, a postura reservada e o silêncio constante me ensinaram lições valiosas. Nem todo ser precisa estar em evidência o tempo todo. Há sabedoria na quietude, na observação, no simples ato de existir sem alarde.
Sempre que a saudade aperta, olho para a galinha na estante e me lembro da infância. A figura misteriosa que me mostrou, à sua maneira peculiar, que a verdadeira beleza da vida está nas coisas mais simples e silenciosas.