Em 1844, quando finalizara a construção da residência do padre Antonio Cunha Salgado Silva, de frente para a Praça do Rosário, desfilavam pelas ruas da cidade cavalos, carroças e carruagens puxadas por cavalos de raça, com cocheiro e trintanário de libré, pertencentes aos nobres senhores do café de Pindamonhangaba.
Até hoje, as iniciais de seu primeiro proprietário estão grafadas na bandeira de ferro da porta de entrada do majestoso sobrado, construído em taipa de pilão e pau a pique, no número 88 da atual rua Bicudo Leme. Posteriormente, o imóvel pertenceu a Monsenhor João Nepomuceno de Assis Salgado, Dantas da Gama, Felício Paschoal e, em 1932, foi adquirido pelo imigrante libanês Hanna Salleh – no Brasil, João Salles –, quando este uniu-se em matrimônio com Maria Olga Merly.
No casarão da família Salles, nasceram e foram criados os cinco filhos do casal – Helena, João Laerte, Eduardo Jorge, Leila e Maria Ceres –, brincando entre as centenárias árvores e inúmeras jabuticabeiras do extenso quintal (hoje, um verdadeiro jardim botânico no coração da cidade!), aprendendo com os pais a zelarem por esse patrimônio arquitetônico de inestimável valor histórico.
Nesses 92 anos em que o casarão está sob os cuidados dos Salles, passou por incontáveis reparos; entretanto, em 1972, um detalhado restauro concedeu-lhe a suntuosidade de palacete, e, em 2024, Maria Ceres celebra a finalização de uma segunda grande obra.
Infelizmente, poucos sobrados de sua geração foram poupados da demolição na Princesa do Norte: o magnífico prédio do “Theatro” foi demolido em 1910; o sobrado do Monsenhor Marcondes, prédio histórico que hospedou o imperador do Brasil, em frente à “Praça da Cascata”, desapareceu em 1940; a residência do Dr. João Romeiro, na Rua dos Andradas, deu lugar à entrada do Centro Comercial de Pindamonhangaba.
Onde está o suntuoso sobrado do Dr. Miguel de Godoy Moreira e Costa, em frente à Igreja Matriz, na esquina da Rua Deputado Claro César com a atual Bicudo Leme? E os sobrados do começo do século 20 das ruas José Bonifácio, 7 de Setembro e Prudente de Moraes? Cadê o belíssimo chalé que pertenceu ao Dr. Francisco Romeiro e outros solares cartões-postais da Princesa do Norte?
Estampam apenas as fotografias preservadas por colecionadores de retratos antigos da Princesa do Norte, como os de Eduardo Salles; as páginas dos poucos e raros livros sobre a história de Pindamonhangaba; os desenhos a bico-de-pena de Eduardo San Martin, Fábio Schimidt Goffi, Balthazar de Godoy Moreira; os quadros a óleo e as aquarelas de pintores encantados por esta cidade princesa.
Infelizmente, da mesma época do casarão da Família Salles, poucos monumentos arquitetônicos de Pindamonhangaba foram salvaguardados, dentre eles, o Palacete do Visconde da Palmeira e o Palacete do Barão de Itapeva – atualmente, Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e D. Leopoldina e Palacete 10 de Julho -, abertos à visitação pública.
Augusto Emílio Zaluar, em sua peregrinação pela província do Estado de São Paulo nos anos de 1860 e 1861, deixou registrado em sua célebre obra que, dentre as cidades do norte da província de São Paulo, a “formosa Pindamonhangaba” destacava-se pelo seu casario e pela inteligência de sua gente. Registra Zaluar: “É preciso admirar a poética arquitetura de Pindamonhangaba; é preciso ver as construções artísticas que adornam as largas e formosas ruas da cidade”.
Dessa mirada retrospectiva de Zaluar aos nossos dias, digo: é preciso admirar os esforços da família Salles em zelar por um monumento de 180 anos, testemunha inconteste de que esse palacete sobreviveu ao tempo, graças à sensibilidade e à riqueza de alma de tão abençoada família. Salve, salve, Maria Ceres Merly Salles, e seu amor desmedido e incalculável por um dos tesouros de Pindamonhangaba!