A minha avó viúva morava aos pés da serra. Não morava só. Seu companheiro e protetor era Biscoito, o cachorro que foi embora com ela quando Deus a convidou para trabalhar na cozinha celestial.
Religiosamente, ela acordava antes de o galo cantar, e ia manejar a enxada. Em seu pedacinho de terra ela colhia legumes, verduras, e um punhado de café e de feijão. Para que não lhe faltassem carne e leite, trocava parte da produção com o senhor Nenê, o único pecuarista da redondeza.
Eu ia visitá-la amiúde; e em todas as ocasiões ela assava bolos no fogão de lenha, coava café no coador de pano, e proseava comigo. Meu laço com ela era tão estreito que somente ela sabia dos meus segredos mais impróprios, sem jamais reagir com aspereza.
Lembro-me da última vez que fui vê-la. Eu estava passando por um momento de inconformismo. Naquele dia, o céu estava carrancudo. Quando cheguei, a chuva intensificou o cheirinho de terra molhada e minha avó apareceu no alpendre.
— Se ficar debaixo dessa chuva, daqui a pouco vai parecer um pinto molhado. Entra! Estou fazendo o bolo que você me pediu.
Assim que entrei, ela foi ao quarto do meu avô, voltou com uma camisa cheirando a naftalina e determinou:
— Desvista a molhada; ponha essa e desembucha.
Não adiantaria dizer que estava tudo bem. Ela me conhecia mais do que a palma da própria mão. Permaneci em silêncio por alguns segundos para que meus olhos não se acachoeirassem.
Ela me abraçou.
— Um homão desse tamanho só tem o direito de chorar por um motivo muito grave. Morreu alguém?
— Não, vó.
— Então desembucha enquanto vou espiar o bolo.
Por ser muito religiosa, eu sabia que ela não iria gostar de me ouvir dizer…
— Deus não existe, vó! Ele não atende aos meus pedidos.
Por um instante, ela ficou paralisada; mas, ao se recompor, me ofereceu um sorriso doce, tirou o bolo do forno e disse:
— Bolo de cenoura. O seu preferido.
Ela cortou um pedaço e me deu. Mas havia algo errado.
— O que foi? Você não gosta mais de bolo de cenoura?
— Gosto, vó. Mas este aqui está… cru.
— Eu sei – disse sorrindo – E foi de propósito. Acho que assim você consegue entender que Deus capricha, e no tempo certo materializa nossos merecidos sonhos. Jamais se esqueça de que Deus não nos dá bolos crus.