
Uma amiga ligou e me convidou para ser padrinho de batismo do filho dela, cumprindo uma promessa que me fizera quando éramos adolescentes. (Eu nem sabia que ela esteve grávida). Aceitei com alegria e, antes de desligar o telefone, ela determinou:
— Não compre nenhum presente. Em vez disso, seja generoso e contribua financeiramente para o futuro de seu afilhado.
Se eu soubesse que me pediria dinheiro, inventaria uma desculpa esfarrapada e não aceitaria. Mas, como já havia me comprometido…
Passei horas pesquisando em minhas memórias, e em nenhuma das lembranças me recordei dela como gestante. Curioso que sou, fui visitá-la. Ela me recebeu com um abraço apertado.
— Entre. Venha conhecer o seu afilhado. Só não faça barulho, por favor. Ele está dormindo.
Eu a acompanhei até o quarto, reproduzindo seus passos miúdos e suaves. Ao se aproximar do berço ela se adocicou:
— O nenê lindinho da mamãe já acordou? Sabe quem veio conhecer você? O dindinho.
Ela curvou-se e trouxe o bebê ao colo.
— Meu amorzinho, vou deixar você um pouquinho com o dindinho. Mamãezinha vai preparar o mamazinho gostosinho pro menininho mais lindinho do mundo. Já volto.
Quando o segurei no colo, percebi que a miniatura de gente na verdade era um…
— Boneco? Você quer que eu seja padrinho de um boneco?
Ela se irritou.
— Boneco? Você tá cego, louco ou bebeu?
A atmosfera ficou pesada. Ela começou a chorar. Eu não sabia o que fazer. Senti certo alívio quando o marido entrou no quarto. Eu o chamei num canto e cochichei:
— Sua mulher está com algum problema psíquico? Que ideia tratar um boneco como filho!
Ele cerrou os punhos, franziu o cenho e reagiu:
— Boneco? Retire a ofensa ou eu…
Receando sofrer alguma agressão física, pedi desculpas e entrei na encenação. Conversa vai, conversa vem, descobri que me escolheram para padrinho porque me consideravam endinheirado. Quem me dera! Nunca fui, mas não desmenti.
O batizado, realizado por um padre do tablado, aconteceu num sítio. Entre os convidados, muitos com bebês iguais ao da minha amiga.
Assim que o teatrinho terminou, me despedi do casal e abençoei o meu “afilhado”. Antes de deixar o local, minha amiga me cobrou:
— Você trouxe a contribuição financeira para o futuro do seu afilhado?
Eu, que esperava ansioso por aquele momento, enfiei a mão no bolso, tirei um maço de notas e garanti o futuro do bebê reborn com cédulas de cem, todas de… plástico.
Depois disso, passei a ser persona non grata naquela família.