Faltam dez minutos para meia-noite. Todo ano, nesta data, deixo o quarto e me sento num banco do jardim para observar estrelas pirotécnicas. Até o ano passado meu companheiro de banco foi o Caolho, mas como no começo deste ele foi morar no subsolo, é o Mundinho quem está aqui comigo.
Caolho foi o único confidente que conheci sem coceira na língua; foi ele meu irmão de outra mãe, um sábio amigo. A ele contei todos os sabores e dissabores de minha vida, e em nenhum momento ele temperou suas considerações com rispidez ou escárnio. Sinto falta dele.
Faz muito tempo que estou aqui, mais tempo do que gostaria. O lugar é, razoavelmente, bem cuidado. Oferecem-nos recreação, atividades físicas moderadas, cuidados médicos, alimentação mastigável e engolível, e um quarto para duas pessoas. Atualmente divido o quarto com o Mundinho.
Muita gente não sabe (ou já se esqueceu) que neste local residiram e residem Papais e Mamães Noéis. Caolho, por exemplo, embora impróprio para a paternidade biológica, distribuiu presentes e carinhos às crianças em seu bairro, antes de vir morar aqui. Dona Fefê, viúva e mãe de oito filhos (quatro adotivos), lavava roupas da vizinhança no tanque. Através desse ofício, alimentava os filhos e, além da educação límpida, dava-lhes presentes no Natal. Eu tive seis meninos. Sustentei-os trabalhando na roça, de sol a sol. No Natal, ia à cidade e trazia-lhes brinquedinhos.
Eu poderia varar a madrugada contando a vida de cada pessoa daqui, mas só tenho tempo para dizer que todos têm algo em comum: o abandono. Raramente aparece alguém da família para nos visitar, até mesmo em datas especiais como esta. No dia das mães e no dia dos pais, muitos aqui se apegam a um fio podre de esperança: quem sabe algum filho apareça!
Eu sei que, neste momento, meus filhos estão brindando à mesa farta e meus netos desembrulhando surpresas. O pai e o avô aqui foi enterrado vivo no passado. Mas, tudo bem. Eu fiz o que pude e o que não pude. Tenho a consciência leve, sem nódoas.
Apesar do peito em pedaços, em todas as noites de Natal, enquanto observamos os espocares coloridos no céu, Ele aparece. O cabeludo de olhar sereno e sorriso triste refrigera o nosso coração. Ele segura em nossas mãos e diz palavras reconfortantes. Diz que em muitos lares Ele também é esquecido.
Agora é meia-noite. O céu começa a ser decorado com os efêmeros fogos de artifício. O cabeludo está ao meu lado. Ele me olha nos olhos e, sem conseguir conter as lágrimas, me abraça paternalmente. Sinto paz. Sinto meu corpo ser envolvido em luz e, enquanto fecho os olhos, Ele diz:
— A partir de agora você deixará o lar de idosos e irá morar comigo.