A árvore de Natal era a mesma há quarenta anos. Vovó não deixava tirar nem pôr adereços no pinheirinho, a fim de preservar a tradição. O presépio também era longevo. O Menino Jesus somente era aconchegado na manjedoura, no primeiro segundo do dia 25, pelo familiar mais jovem, desde que não fosse um bebê. Na sequência, dávamo-nos as mãos e rezávamos o Pai-Nosso. Depois, ceávamos.
Antes do cerimonial, realizávamos o amigo secreto. Por imposição da vovó, a família toda participava. O sorteio acontecia em novembro. Naquele ano, fiquei sabendo que o tio Osmar Mota trocou o nome do cunhado Joca Brito pelo da sobrinha Ana Nica. A tia Paty Faria trocou o padrinho Vitor Neira pela afilhada Pê Lúcia. Eu tirei o filhinho da Lina Mora. Apesar das trocas, ainda havia descontentes. Por isso, sugeri a inovação.
Por volta das 22 horas, vovó anunciou a troca de presentes. Como de praxe, o mais anoso começava. Vovô recitou um poema:
“Minha amiga, eu vou dizer,
é durona e pouco dorme.
É uma velhinha ranzinza
mas de um coração enorme.”
Vovó não gostou muito dos versos, mas amoleceu com o beijo do “véinho”. Depois foi a vez dela; pagou na mesma moeda:
“O meu amigo secreto
fala asneira quando fala;
É velhinho e não consegue
levantar mais a bengala.”
Todos riram. Depois, vovó decidiu que tio Igor Ducho prosseguiria. Sem enrolação, ele anunciou que sua amiga secreta era a… Vovó! Ela franziu o cenho e perguntou:
— Quem foi o distraído que escreveu os nomes?
Apontaram para mim. Ela moveu a cabeça como se dissesse: “Só podia ser”, e mandou continuarmos. Concluído o amigo secreto, ela me pediu para explicar o porquê de o nome dela estar em todos os papelinhos. Disse que ela era a melhor mãe e avó do mundo.
Próximo da meia-noite, ela foi à biblioteca buscar o Menino Jesus. Não o encontrou. Quando retornou, viu o Papai Noel com Ele ao colo. Resmungando que Natal não é comércio, ela recuperou o filho de Deus e, antes de entregá-Lo ao familiar mais jovem, eu disse:
— Vamos manter a tradição da família. O direito de colocar o Menino Jesus na manjedoura este ano é da vovó.
Ela não entendeu. Fiz um sinal ao Papai Noel. Ele tirou o envelope do bolso e pediu atenção de todos.
— Depois de várias sessões de quimioterapia…
Papai Noel fez uma pausa e tirou o gorro.
— Conforme o resultado dos exames…
Ao tirar a barba, revelou a identidade: era o geriatra.
— Dona Clarice nasceu de novo! Ela está… curada!