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Lembrar… Esquecer…

O filósofo espanhol Balthazar Gracian (1601-1685), em sua obra “Oráculo. Manual Y Arte de Prudência” publicada em 1647, escreveu que “Saber esquecer é mais uma sorte do que uma arte”, uma vez que a memória é tremendamente traiçoeira e cruel quando mais necessitamos dela e também muito insensata, pois chega quando não é hora. O certo é que ansiamos por esse denominado direito de esquecer, sobretudo os maus momentos do nosso viver, mas tais fatos — lembrar e esquecer — estão fora do nosso controle.

Parece que a conquista da nossa paz interior acontece quando esquecemos as dores sofridas e vividas, dando lugar à paz desejada. Aqui, contemplamos uma dualidade: se, por um lado, temos a paz do esquecimento que nos liberta do passado, por outro lado, surge o seu irmão gêmeo que é a evocação. Talvez, o mais prudente, como diria o inesquecível poeta Manuel Bandeira, seria vivenciar e desfrutar das belezas e verdades do hoje.

André Gide, pensador e escritor francês (1869-1971), Prêmio Nobel de Literatura (1947), no seu livro “Os Frutos da Terra”, nos alerta para que não deixemos o mais leve peso do passado a nos escravizar. Reforça a importância do hoje, sem o pesado fardo do passado, sem a angústia e a ansiedade do que está por acontecer.

Aqui, relembro as palavras contundentes proferidas pelo célebre sobrevivente do campo de concentração nazista, Elie Wiesel, em entrevista ao jornal The New York Times: “Não esquecerei jamais aquilo, mesmo que seja condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus. Jamais!” Com certeza, a dor inapagável dos tormentos naquele lugar de horror nunca saiu dele. É importante salientar que ele não disse que recordará sempre. O ato de recordar é sempre ativo, enquanto esquecer é passivo, nos ensina a Psicologia Existencial.

Para o esquecimento não há técnica, enquanto existem recursos para estimular a memória. O importante para a saúde mental é o esquecimento, visto que só vive sem culpa quem consegue esquecer, em especial as ofensas (não está escrito no Pai Nosso?) e perdoar. O rancor, sem sombra de dúvidas, paralisa a alma.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche escreveu em uma de suas obras: “Bem-aventurados os que esquecem, porque acabam também esquecendo a insensatez que cometeram!”. E reforça isso no seu conhecido livro “Assim Falou Zaratustra”: “Como é agradável poder esquecer”.

Parece-nos que o excesso de memória, especialmente as traumatizantes, pode gerar doença — ansiedade e depressão — visto que a vida carece de esquecimento, porque sem ele permanecemos paralisados no tempo, reféns de um passado que faz sofrer. Não é sem razão que esse fenomenal filósofo nos assegura que os adultos veneram as crianças e os animais porque eles vivem o presente sem medo, sem tristeza, desfrutando os bons momentos que surgem.

Assim, cremos que a habilidade reside em determinar o grau de esquecimento e evocações para a vida, tarefa difícil, mas não impossível, uma vez que exige fé e determinação. Deixemos o passado fluir, curemos aos poucos as nossas feridas, conscientes de que existem dois tipos de seres humanos: os ressentidos, que possuem pouca resistência psicológica (gigantes de pés de barro) e sucumbem a uma simples dor de dente, e os afirmados da vida (os considerados resilientes), que são capazes de superar situações sofridas.

Tudo nos mostra que a saúde humana está relacionada à justa medida entre a lembrança e o esquecimento. Necessitamos saber esquecer na mesma medida em que temos que evocar os momentos vividos, por vezes sofridos. O primeiro gesto nos impulsiona à superação das vivências difíceis que nos trouxeram traumas e a segunda atitude não nos deixa perder a identidade. Eis o grande desafio que nos exige esforço extraordinário, mas não esqueçamos dessa verdade: a nossa fé remove montanhas!

Vanguarda literária

Dr. José Valdez
Dr. José Valdez
José Valdez é médico, mestre e doutor pela USP, professor universitário, Magister ad Honorem da Universidade de Bolonha, e Professor Visitante das Universidades de Bonn, Munique, Colônia e Berlim (Alemanha). Professor Convidado da Universidade de Paris V (Sorbonne)
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