
Doce recanto amigo!
Como é grande por ti o meu afeto!
Pelos rosais sorrindo-os teus lábios risonhos,
sossegado, feliz, cismativo, indolente,
o teu suave aspecto
põe a alma em excelente
disposição para sonhar os sonhos
que abrem no seu recesso mais seleto.
Jardim de sonhador silêncio, eu te bendigo!
Quantas vezes,
pela hora enlanguescida
dos crepúsculos longos e lilases
que a fantasiar com a vida,
e de um tempo que foi… vultos… frases…
Tenho vindo buscar – verde abrigo – em teu seio,
paz e consolação a um sofrer, a um anseio.
Deixo-me aí ficar, horas, sobre algum banco,
e abro o meu coração a ti, tudo te digo:
desilusões, agruras e revezes,
que apenas para ti, meu confidente amigo,
sou, desse modo, leal e franco.
E a sugestão bendita e indefinida
que de ti, como um bálsamo, resuma,
me acalma a alma…
E, tal um fluído celestial, a invade
a grata sensação que a enveluda e perfuma,
de reconciliação com a minha vida.
Então, sob a benéfica influência
de tal estado,
tranquilo e consolado,
eu consigo esquecer da ríspida existência
as arestosas fráguas,
apagar da memória turvas mágoas,
e erigir, pertinaz, sonho a sonho, os castelos
mais suntuosos e belos.
E não sei que confiança embaladora sinto
em tudo o que minh’alma de poeta,
nessas horas morrentes, arquiteta
dentro do teu recinto.
No entanto, não é de dia
ou na hora do poente,
que tu respiras mais poesia
e é maior teu encanto
aos sentidos da gente.
À noite, quando tudo silencia,
enquanto quedas plácido e dormente,
tua alma verde
como que numa cisma inebriante e esplendente
que a anestesia,
toda se perde.
Parece
que, catolicamente recolhida,
ela envia ao azul todos esplendores,
o anseio de uma fervorosa prece,
traduzida
nos perfumes que exalam tuas flores.
E que impressões bizarras não sugere
o teu noturno vulto,
quando a lua – cadáver insepulto –
toda a amplidão opalescendo,
anda, em sua mudez, no alto, gemendo
a tristeza feral de um miserere.
O bafejo da aragem
mansamente remexe as copas do arvoredo,
que ressona, de leve, entorpecido…
E a gente cuida
que esse rumor macio é produzido
pela líquida opala fina e fluída
do luar, que chove da etérea paragem,
a escorrer no folhedo.
Sentimental poeta!
Vives também rimando uma emoção secreta
na rítmica plangência da água viva
a salmear no teu lago.
E quando em minha mente algum motivo afago
e eu luto por lhe dar uma forma expressiva,
fazendo-se-me o estro esquivo e adverso,
é-me grato escutar-te à dolente piscina
essa toada estranha, que me ensina
a fazer musical a cadência do verso.
Sob uma sina boa e amável
nasceste, com certeza,
ó rútila esmeralda inestimável,
que és o adereço
de mais subido preço
desta formosa e plácida princesa.
Jardim de sonhador silêncio, eu te bendigo,
porque és meu grande amigo!
José Silva
Tribuna do Norte, 11 de junho de 1915