Uma notícia preocupante: dois terços (66,3%) dos estudantes brasileiros de 15 e 16 anos declararam que o texto mais longo lido por eles no ano letivo não passou de dez páginas. E outros 19,6% disseram que leram uma página ou menos. Esses números, divulgados na semana passada, foram obtidos por um estudo realizado pelo instituto IEDE (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) em parceria com a Árvore, uma plataforma gamificada de leitura, a partir de resultados de 2018 da prova do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).
Não há como disfarçar ou negar as evidências: as dificuldades de escrita de inúmeros alunos estão diretamente relacionadas a esse cenário. Ainda que se multipliquem no país discursos favoráveis à leitura e iniciativas bem-sucedidas de estímulo à convivência com livros, isso não tem sido suficiente para transformar todos os nossos jovens em leitores.
Por outro lado, para aqueles que leem, o ato de não ler chega a ser quase incompreensível. Pois bem, nessa estranheza, pode estar o cerne da questão: como convencer alguém de que a leitura só lhe fará bem? Para isso, é preciso destacar – nitidamente – o poder contido nos simples gestos de abrir um livro e pousar sobre suas páginas nosso olhar curioso e atento. Crianças e jovens – e também adultos – precisam saber o que estão perdendo ao não fazerem isso.
Essa descoberta – capaz de sacudir o mundo de qualquer pessoa – começa, de fato, quando se abre um livro. Antes disso, vale rememorar as palavras do escritor argentino Jorge Luís Borges: “Pegar um livro e abri-lo guarda a possibilidade do fato estético. O que são as palavras dormindo num livro? O que são esses símbolos mortos? Nada, absolutamente. O que é um livro se não o abrimos? Simplesmente um cubo de papel e couro, com folhas; mas se o lemos acontece algo especial, creio que muda a cada vez”.
Algo especialíssimo, mestre! Imagine a surpresa de visitar uma fazenda governada por animais e a chance de, a partir disso, fazer pontes com o gênero humano! Pense no encantamento de encontrar, dentro de uma montanha, uma cidade habitada por criaturas pequeninas e repleta de ouro! E a emoção de viajar para uma escola jamais vista de jovens bruxos, onde fica provado que o amor é a magia mais poderosa de todos os tempos?! Ou ainda a beleza de se reconhecer na figura de um filho angustiado diante do mistério de seu pai metido numa canoa “rio abaixo, rio a fora – rio a dentro”?…
Não por acaso, o linguista búlgaro Tzvetan Todorov dizia que amava a literatura porque ela o ajudava a viver. Segundo ele, “ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano”. Precisa dizer mais alguma coisa?
Sim. Inúmeros outros frutos vêm por acréscimo: conhecimentos linguísticos, variedade vocabular, repertório sociocultural, clareamento de ideias, organização do pensamento, refinamento da escrita, ampliação de conceitos, ressignificação de saberes…
É isso que precisa ser evidenciado para nossos alunos, eis o ponto de partida para qualquer iniciativa no sentido de introduzir uma criança ou um jovem no universo da leitura. Fácil de falar, mas não tão difícil de fazer: basta ter amor, disposição, apoio e aplauso. Sim, qualquer movimento a favor da leitura deve ser apoiado e aplaudido, ininterruptamente, entre todas as gerações, por todos os séculos dos séculos, amém!
P.S.: Identificou as obras citadas no quinto parágrafo? São elas: “A revolução dos bichos”, de George Orwell; “A montanha encantada”, de Maria José Dupré; a série de livros de Harry Potter, de J. K. Rowling; e o conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa.