Com o título “Pavoroso Incêndio”, na edição de 17/1/1924, o jornal Tribuna do Norte divulgava o lamentável ocorrido que tivera como cenário o pátio da Estrada de Ferro Campos do Jordão, a “Estradinha”, no dia 15 de janeiro daquele ano.
O autor da matéria atribuía a ocorrência do incêndio à falta de um local para abrigar os tambores de combustível, “…um barracão especialmente para abrigar os grandes tambores de gasolina, separando-os assim de outros materiais não inflamáveis, não teria agora de lamentar o lamentável desastre”.
Em seguida, menciona o barracão onde se encontravam guardados juntamente com outros materiais quando foi tomado pelas chamas:
“Esse barracão que o fogo logo arrasou na sua voragem destruidora, esse templo com que o engenheiro chefe pretendia concorrer à Exposição do 2º Centenário, esse casebre infecto, velho e imundo, de madeiramento todo carcomido, a toda hora oscilando entre a glória do prêmio da Exposição e seu desabar, jamais – infeliz! Viu uma ‘escora’ vir amparar-lhe a parede bojuda”.
Segundo o articulista da Tribuna, por detrás de onde estava o barracão que fora consumido pelas chamas havia um casarão mais apropriado para ser depositada a gasolina, bastava que fosse feita uma reforma em sua porta para dar passagem aos tambores de combustível. Dessa forma, ali, o inflamável estaria separado de outros materiais e equipamentos.
Aconteceu de a reforma não ter sido realizada por conta da despesa que isso resultaria, “Se alargasse a porta teria que pagar 1$000 para um empregado, e nesse caso o governo era lesado horrivelmente”, ironizava o redator.
Não fora somente a perda de um barracão, denominado “barracão relíquia” (sobre essa denominação, deduzimos, guardassem aquele local como o ponto histórico da fundação da Estrada de Ferro Campos do Jordão). Conforme consta na referida matéria, aquilo que as chamas teriam consumido causava prejuízo muito além dos 1$000:
“…15 novíssimos aparelhos telefônicos; toda a esquadria destinada à nova Estrada de Campos, na ponta dos trilhos; todo o material elétrico necessário à instalação no novo armazém e no escritório; uma bomba conjugada a um motor elétrico, ainda ontem chegada àquele barracão, no valor de um conto e muito, grande quantidade de óleo, graxa para lubrificação dos carros. Mais ainda: os inúmeros modelos de madeira para fundição de peças para os carros, a grande quantidade de ferramentas de aço e outros aparelhos de ferro, peças de junção, mancais, arruelas, arame, lima, brocas, tudo para consumo das oficinas, e tudo inutilizado pelo fogo. Toda a ferragem destinada ao novo prédio da estação de carga e ao do escritório fez companhia à lona, à estopa, e até o saudoso centenário barracão relíquia, na alimentação das chamas”.
Risco de mal maior
A tragédia, entretanto, poderia ainda ter sido maior, como lembra o redator da Tribuna:
“…dias antes aquela estrada recebera um caixote com dinamite, destinados para a pedreira. Do prédio novo, fronteiriço ao destruído armazém, a platibanda foi incessantemente lambida pelas línguas de fogo, enormes labaredas de uns 8 metros de altura. Como prova não passaram sem deixar o sinal de sua passagem, lá está ainda a platibanda, enegrecida, como a mostrar a sua inocência”.
Bombeiros improvisados
Era um tempo que Pindamonhangaba nem os arredores dispunham de uma corporação especializada e preparada para atuar em casos de incêndio (Pindamonhangaba só viria a contar com uma unidade do Corpo de Bombeiros, 58 anos depois, em 1982), a missão, conforme revela o jornal, coube então ao efetivo policial destacado na cidade:
“E se agora não lamentamos a perda total do novo prédio agradecemos isso à atuação do Dr. Delegado que, com praças, escalou o prédio derramando nas paredes água e mais água. O senhor coronel prefeito logo que foi avisado mandou o pessoal disponível e bem assim o diretor de obras prestar os auxílios possíveis para dar fim ao fogo. É digno de louvor o auxílio do nosso Exército e a atitude do Dr. Delegado de Polícia”.
Causa do incêndio
Na opinião do jornal, o acontecimento não poderia ser encarado como uma fatalidade.
“A causa do incêndio, segundo afirmam os próprios empregados da estrada foi motivada pelo desleixo. No perdido depósito coberto por folhas de zinco não havia soalho e o chão estava encharcado pela gasolina que vazava das torneiras dos tambores. Isso o engenheiro chefe não ignorava! Muito bem, o zinco aquece-se muito e retém o calor por muito tempo; ora o calor dele havia de forçosamente ir ao solo e a gasolina, aquecida, incendiar-se-ia, como o fez”.
Colocando como sendo essa hipótese a mais admissível, prossegue o articulista:
“Hoje há causa e efeito em tudo… era sabido que os carros vindos de Campos do Jordão abasteciam-se de gasolina para a viagem do dia seguinte. Assim buscava a gasolina para seu carro o empregado Oscar Santiago Santos quando ao despejar gasolina da lata para a vasilha ouviu a detonação e logo em seguida se viu envolto pelas chamas, do que resultou sair com as mãos bastante queimadas e os pés também vitimados pelo fogo. Esse, rápido, manifestou-se no tambor de gasolina, passando logo para a estopa e acabando de devorar o legendário barracão relíquia”.
O artigo é concluído com o autor destacando a conduta solidária dos funcionários da EFCJ que estavam presentes e haviam cooperado para que o dano não fosse ainda maior e com a descrição da manhã seguinte ao sinistro: “…ainda se erguia fumaça da terra, como se estivesse ardendo. Montão de objetos queimados, ferros derretidos, arames retorcidos…”
Nota 1. No tempo do ocorrido era prefeito dePindamonhangaba o coronel Benjamin d CostaBueno e a unidade de Exército aqui aquarteladaera o 2º Batalhão do 5º Regimento de Infantaria.
Nota 2. Até 1916, os trens da EFCJ eramexclusivamente movidos a vapor, sendo substituídos neste ano por automotrizes a gasolina.Em novembro de 1924, aconteceu a eletrificaçãoda estrada foi pela English Electric, permitindo ouso de composições elétricas.