“Tantas vezes eu soltei foguete imaginando que você já vinha!” Você já ouviu essa música? Cantada delicadamente por Maria Bethânia (na minha versão favorita), é uma composição de Roque Ferreira e J. Velloso que abre este texto por trazer o relato carinhoso de alguém que, à espera de seu amor, confessa, por meio da revelação dos preparativos, a alegria e o afeto contidos nessa expectativa: “Tirei a renda da naftalina, forrei cama, cobri mesa, fiz uma cortina, varri a casa com vassoura fina, armei rede na varanda enfeitada com bonina…”. E o que isso tem a ver com a nossa escrita? Venha comigo.
O que me fez ligar a música ao ato de escrever foi o depoimento de uma aluna sobre uma de suas motivações no instante em que escrevia a redação que lhe rendeu a aprovação para o curso de Medicina: “Meu desejo era impressionar os corretores, por isso, elaborei meu texto como quem prepara a casa para receber uma pessoa muito querida”. Claro está que ela obteve êxito nessa jornada.
Mas como isso pode ser feito numa dissertação, gênero textual que possui exigências e limites muito claros, além de uma estrutura marcadamente fixa? Bem, a ironia é que, dentre as exigências, temos a autoria: é preciso ser autoral, mesmo escrevendo um texto aparentemente igual a todos os outros. A boa notícia é que é possível impactar o corretor a partir de um projeto de texto que, mesmo previsível pela sua formatação, ainda pode ser surpreendente.
Então, como surpreender nosso “inflexível” corretor? Por meio de gentilezas, como na canção “Foguete”. Explico a analogia: se você já sabe os critérios exigidos para a produção da redação, basta escrever sob o comando deles, cuidando, portanto, de aspectos como coerência, coesão, fidelidade à estrutura do discurso dissertativo-argumentativo e emprego da norma-padrão da língua.
Até aí, nenhuma novidade, certo? Porém, entenda: satisfazer à expectativa da banca corretora já é um ótimo começo (para não dizer fundamental), o que também se revela um gesto cortês de corresponder ao que se espera de você. Além disso, há outros recursos que podem ser mobilizados com o mesmo fim: escolha vocabular (com precisão e sem repetições), inversões sintáticas (mostrando seu domínio linguístico), repertório sociocultural realmente produtivo (não apenas como cumprimento de uma norma), raciocínio límpido (de fácil e rápido entendimento) e argumentação convincente.
Sim, a escrita de um texto bem-sucedido é sempre desafiadora, daí a necessidade de empenho, prática, avaliação, revisão, resiliência, reescrita, muita leitura… E há ainda um último elemento, com o qual resgato o conceito de gentileza que encontrei na canção e nas palavras de minha aluna.
É preciso escrever como quem, de fato, pretende oferecer algo agradável ao leitor. Ainda que “segundas intenções” (nada condenáveis aqui) possam estar envolvidas no ato, que elas venham acompanhadas do desejo genuíno de transformar uma atividade considerada por muitos fria e hostil (pela complexidade e por tudo que encerra) numa prática agasalhadora para todos. Refiro-me a um propósito honesto de fazer bem o que fará bem a todos os envolvidos no processo.
No fim, o bem é o que cada um busca para si, e quando tal busca envolve a partilha com o outro, todos são beneficiados – isso é mais possível do que utópico, acredite!
Ainda envolvido por essa atmosfera de autoajuda e otimismo, asseguro que o bem quando compartilhado produz os resultados esperados! Para comemorar, a gente até sente vontade de soltar foguete (como na canção, como nas festas juninas de outrora), mas a gente não solta, não – por causa dos animaizinhos, ora!