
Aconteceu no século XIX. Tobias era um caixeiro viajante de quatro metros quadrados. Percorria as ruas de terra montado no cavalo de crinas douradas, puxando o burro robusto com mercadorias no lombo. Ele vinha de endereço desconhecido, repetindo apenas uma dúzia de frases necessárias ao seu negócio. Quando aparecia, a criançada propagandeava a sua chegada em troca de guloseimas.
— O caixeiro está na cidade! Venham ver!
O vilarejo se alvoroçava. Mulheres e homens saíam às ruas.
— Tem removedor de hemorroida?
— Tenho.
— E elixir levanta pedúnculo de marido frouxo?
— Tenho.
— Cicuta d’água para sogra, tem?
— Não tenho.
No meio da multidão, puxando a mulher pela mão, Zé Bigode se aproximou do caixeiro viajante e perguntou:
— Ô Tobias, faz favor. Tem bota de couro? Cueca samba-canção? Calça de pano bom? Perfume francês? Camisa xadrez? Charuto?
— Tenho.
— E pra minha mulher, tem vestido? Anel de ouro sem ser de ouro? Anágua? Colar? Espartilho? Sabão de cheiro?
— Tenho.
— Tem brinquedo pros meninos?
— Tenho.
— Tem arroz, feijão, carne seca, rapadura?
— Tenho.
— Vou querer tudo.
Tobias pegou lápis e fez o cálculo numa caderneta.
— Tudo fica em três mil dinheiros.
— Está justo. Põe no prego. Toma aqui um fio do meu bigode. Pago no mês que vem. Confia em mim? (Naquele tempo um fio de bigode era garantia de que o compromisso seria honrado).
— Confio. Mas se não pagar no prazo vai deixar essa belezinha aqui nervosa – alisou a garrucha camuflada na cintura.
Em casa, a mulher do Zé Bigode se apavorou:
— Endoidou, homem? É muito dinheiro! Como vamos pagar?
— Não se preocupe. Quando ele voltar, estaremos morando bem longe daqui.
Naquela madrugada, deixaram o vilarejo. Sem testemunhas. Em novo endereço, fizeram amizades. Certa vez, os vizinhos do outro lado da rua os convidaram para um jantar. Foram.
Estavam sentados à mesa quando a campainha tocou. A anfitriã foi atender.
— Sogro querido, que surpresa boa! Chegou na hora certa. O jantar está na mesa. Aproveite para conhecer nossos melhores vizinhos.
Zé Bigode desmaiou quando viu o homem. Era o Tobias.