
…que não havia ser cousa de importância. Fora a noitinha. Ao voltar do eito, encontrara-a já de cama, febril, com os olhos quebrados e aquelas pontadas pelas costas, que prostavam inerte e abatida sobre os humildes lençóis de algodão alvejado.
Deixara-a de madrugada. Viera ao trabalho pela necessidade do pão de cada dia, e agora quase se arrependia de tê-la deixado, doente, sem forças, sozinha na pequena casa de pau a pique coberta de sapé, onde um sabiá nostálgico punha uma nota de tristeza e solidão estranha, solidão onde só havia esse canto infindo, repassado de dor e de ternura.
Sentiu então um mal estar anormal… Achou algo de triste na imensa campina que o rodeava…
A enxada batia, sempre, com o mesmo som. Mais distante um pouco, outros companheiros carpiam alegremente. De vez em quando uma risada mais forte lhes atraia os olhares… Na estrada poeirenta um carro de boi passava pesadamente ao passo tardio dos bois sonolentos… alvorecia…
Pousou então a enxada roída pelo uso, e pôs-se a pensar na companheira:
Encontrara-a solteira e requestada num baileco de mutirão. Fizera-lhe a corte. Casou em poucos meses. A vida corria-lhe calma, era feliz…
Uma voz severa despertou-o:
— Uai, Zeferino! Mecê então não trabalha?!
Era o administrador que o encontrara aparvalhado a olhar o campo com um olhar vago e esquisito de quem sonha…
— O senhor me desculpe… — murmurou e empunhando de novo a enxada recomeçou a trabalhar em silêncio.
Raiara o dia. Amanhecia um dia escuro e triste. O horizonte era cor de chumbo! O gado mugia tristemente no curral, ao longe… um canário trinava alvissareiro na palma de um coqueiro!
O Zeferino não pode mais. Sentia uma cousa esquisita: não podia dar uma enxadada sem pensar na companheira doente — Talvez ela piorasse… E se ela morresse? E o rude caboclo empalidecia. Se ela morresse… não era impossível! Não poderia ser… Como viveria sem ela? Quedou-se a pensar. Súbito, largou a enxada e saiu a correr para a casa. Crescia-lhe a inquietação! Afigurava-se o quadro horrível: Morta. No chale humilde, os braços morenos cruzados sobre o peito, os olhos rasgados fechados pra sempre!… Teve uma vertigem!
Apoiou-se arquejante a um cupim! Já avistava a casinha humilde de sapé… Deu uns passos. Um vulto vinha ao seu encontro. Sentiu uma névoa nos olhos… Morrera! Vinham dar-lhe a notícia horrível!… O coração pulou desordenadamente no terreiro, abatido, vencido pelo desespero!…
Quando voltou a si, ouviu como num encantamento a voz do mensageiro:
— Que é isso cumpadre?! Mecê não tá muito certo! Eu vinha dizê que a comadre ficou melhorzinha e foi até lá em casa buscar uma erva cidreira pra um chá!…
Sentiu então um deslumbramento! Os olhos umedeceram-se-lhe de alegria!
E o outro caboclo terminava chocarreiro:
— Ora Zeferino! Vancê é fraco por demais!… Êta sujeito moceiro!…
Cândido Dinamarco, Tribuna do Norte, TN, 4/12/1921