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Jornal Tribuna do Norte

Diploma de expediente

Aprendi que café frio também publica matéria. Foi numa dessas madrugadas em que a cidade cochila e as notificações seguem acordadas que me peguei encarando o botão “publicar” como quem encara um espelho: e aí, Victor, jornalista sem canudo, vai assumir?

Antes disso eu não tinha pauta; tinha contas. Aceitava bicos que mal pagavam um lanche e entrava em cada serviço com a mesma pergunta: como é que essa gente ganha dinheiro e o que eu preciso aprender para ganhar também? Às vezes me chamavam de chato, às vezes de indispensável. No final do expediente eu recebia algum troco e, de brinde, um caderno invisível de anotações: processos, jeitos, segredos de quem faz.

Um dia, entre um turno e outro da minha jornada tripla, me apresentaram ao chefe da Comunicação da cidade. Aproveitei a oportunidade e me coloquei à disposição para ir aos eventos fora do expediente, desde que virasse hora extra no fim do mês. Me deram uma câmera e uma chance. A cidade, que eu atravessava dormindo, virou sala de aula.

Nessa época, a inteligência artificial começou a andar sem rodinhas. Descobri que ela fazia bons rascunhos, mas não sabia do cheiro de chuva na Praça Monsenhor Marcondes, nem de como resolver o eco do microfone no auditório. Não sabia se relacionar com pessoas sem familiaridade com a informática. Eu descrevia, a máquina escrevia, e dois mestres — cada qual com sua característica — passavam o lápis vermelho por cima.

Trocaram meu “através” por “por meio de”, meu período de cinco linhas pela ordem direta. Sem firula: “O leitor não tem tempo para gerador de lero-lero”, diziam. Aprendi que verbo bom é o que carrega a mochila sem reclamar.

No começo, eu queria dinheiro. Em pouco tempo, quis também caber no texto — e ser contexto. Errei horários, troquei endereços, escolhi estar em um lugar e desagradar outro. Guardei confidências em bolsos furados. Descobri que a informação pesa e que status é coisa leve: voa na primeira ventania de dúvida.

Ser jornalista, disseram, é dar ao leitor o que é verificável. Mas o que a faculdade ensina sobre o cansaço de quem passa o dia separando o que serve do que só faz barulho? E sobre a retórica, essa argila que dá forma ao pensamento alheio — a nossa e a do leitor?

O expediente virou graduação. A hora extra, pós-graduação. Minhas bancas foram comentários no arquivo: “corta”, “explica melhor”, “cadê a fonte?”, “tira o adjetivo”. Eu, que não tinha canudo, ganhei olheiras e um punhado de critérios. No fim do dia, deitava com a sensação estranha de ter trabalhado com palavras e, ainda assim, estar coberto de poeira.

Hoje, quando me perguntam se sou jornalista, penso na pressa dos releases, nas correções dos mestres, no clique da câmera que interrompe o pensamento e na paciência do leitor que me oferece cinco minutos do seu dia.

O canudo está vindo — e caberá dobrado no bolso de trás. Reconheço a importância da formação e, por isso, comecei essa graduação: há sempre mais a aprender e a afiar. Contudo, o que me forma, toda manhã, é a cidade: uma professora exigente que não dá presença, só matéria.

Publicar, no fim, é dizer: estive lá, vi, ouvi, pesei e devolvo a você o que ficou de pé. O resto é silêncio — ou uma nova notificação piscando.

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