Crônica premiada com o 2º lugar no X Concurso Literário “Cidade de Maringá”, realizado pela Academia de Letras de Maringá – Paraná, tema Empatia.
O inverno deste ano foi mais rigoroso.
Eu não conseguia dormir quando a temperatura despencou. E não foi pelo frio, pois sobre a cama de casal que ficou maior depois que ela foi embora, havia meia dúzia de cobertores capazes de derreter os polos. Saudade também não foi o motivo. A separação foi consensual. Podia vê-la quando quisesse.
Não tinha — e não tenho — preocupações financeiras. Vivia em paz e com dignidade, mas não conseguia dormir. O ascensorista, que conhece (sei lá como) todos os pormenores da vida dos condôminos, me receitou academia. “Sua insônia, doutor, é por causa da vida sedentária. Corpo cansado dorme rapidinho”. Não adiantou. Fiquei mais aceso. Até as ameaças de cochilo desapareceram.
Substitui o café noturno por chás de camomila e valeriana, conforme sugestão da vizinha. Também não adiantou. Em vez de dormir, passei a esvaziar mais a bexiga.
Calmantes, livros, filmes e músicas para dormir foram outras tentativas frustradas. Sinceramente, não sabia mais o que fazer. Talvez não tivesse mais nada a ser feito.
Certa madrugada, abri a janela e observei o vento varrendo as folhas de plátanos da calçada, onde se encaracolava o indigente. Não sei como conseguia sobreviver naquela temperatura glacial. Masisso não era problema meu.
Na calçada oposta, vi uma cachorrinha esquelética arrastando, pela boca, um pedaço de cobertor. Cambaleante, atravessou a rua na direção do indigente e, com maternal carinho, cobriulhe o corpo e se aninhou ao lado dele. Aquela aula de empatia pendurou lágrimas em minhas pálpebras.
Eu, que sempre ignorei os indigentes, considerando-os vagabundos, bêbados, drogados, pensei: “E se fosse eu aquele homem deitado na dura e gélida calçada?”.
Enxuguei os olhos, peguei o meu melhor cobertor, preparei alguns lanches e fui até eles. Ao tentar me aproximar, a cachorrinha rosnou, arreganhou os dentes, mas se amansou com um pedaço de carne. Assim, pude me sentar e conhecer a dolorosa história daquele professor octogenário. Depois disso, voltei a casa e dormi feito uma pedra. A cachorrinha e o professor? Dormiram no quarto de hóspedes.