O paulistano, transferido para assumir a gerência de uma agência bancária no Rio de Janeiro, precisou apenas de alguns dias para cativar os colaboradores. Por isso, convidaram-no a conhecer o Boteco Belmonte, no Leblon, onde se encantou pela morena de olhos azuis.
Entre petiscos e bebericações, descobriu que tinham muitas afinidades, mas o que mais impressionou o rapaz foram os lábios carnudos e a voz sedutora. Em certo momento, a troca hipnótica de olhares provocou o primeiro beijo e agendou reencontros.
Quanto mais se encontravam, mais ele se empolgava e insistia em conhecer os pais dela, com o intuito de oficializar o namorico. Ela resistia, receosa de se decepcionar pela milésima vez. Mas de tanto ele insistir, ela cedeu. Estava no aeroporto quando ligou:
— Issstou indo parrrticipar de um congresso. Voltarei na quarrrta-feira. Na quinta, te apresentarei aos meusss paisss. Anote o endereço.
Ele anotou. Naquele mesmo dia comprou presentes para os futuros sogros e anel de diamante para a amada.
Na quinta-feira, quando se dirigia ao endereço indicado, o pneu do veículo furou. Sem tempo para trocá-lo e sem conseguir outro transporte, caminhou carregando os presentes e um buquê de flores. Chegou à rua com quinze minutos de atraso. No número indicado, viu o aglomerado de pessoas vestidas de preto. Entrou. Pessoas choravam, soluçavam. No centro da sala, a mulher grisalha dentro do caixão. Transtornado, depositou o ramalhete sobre as mãos da defunta e falou em voz alta:
— Que tragédia, sogrinha. Justamente hoje que vim conhecê-la… Não sei se vou suportar tanta dor.
Ele passou mal. As pernas bambearam. Foi carregado até uma cadeira. Chorava rios quando o celular tocou.
— Onde tu tá, homem?
Ele se levantou e saiu da casa, soluçando:
— Estou na sua casa, meu amor.
— Minha casa? Em qual rua?
Ele respondeu.
— Qual o número dessa casa?
— Cento e seis.
— Não, não. Essa não é a minha casa. Eu moro na de número cento e treissss. Tu tá no velório da dona Roberrrta.
Depois de breve silêncio, disse aliviado:
— Graças a Deus! Você não vai acreditar. Paguei o maior mico, pois gritei, diante do caixão: “Que tragédia, sogrinha. Justamente hoje que vim conhecê-la… Não sei se vou suportar tanta dor”.
Ele riu. A namorada gargalhou.
— Dona Roberrrta não tem filha. Só tem um filho.
Se ele olhasse para trás, veria o Haroldinho com as mãos nos lábios enviando-lhe beijos.